PLANETA DO EUROPEU - A análise e opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 - É comum dizer-se que um verdadeiro treinador vê-se num clube, onde tem de gerir grupo e jogo todas semanas, e não numa seleção, onde não tem tempo para treinar e será mais um coreógrafo de talentos.
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É redutor pensar assim. Este Europeu está a mostrar isso de forma clara. As quatro seleções que chegam às meias-finais são todas elas feitas por "treinadores de autor": Hjulmand (Dinamarca), Southgate (Inglaterra), Mancini (Itália) e Luís Henrique (Espanha). Longe de se limitarem a colar jogadores, criaram modelos de jogo, estratégias táticas, defendem jogadores e, em certos casos, até os levaram para níveis superior aos dos clubes. Cada uma destas seleções tem a impressão digital do seu treinador.
2 - Kasper Hjulmand é o treinador-revelação deste Euro. Em 14/15 passara, sem sucesso, pelo Mainz e chega à seleção após fazer boas equipas no Nordsjaelland, um clube que investe em prospeção e vendas. Pegou na seleção sem fazer o apuramento após a saída de Hareide e manteve as bases (tática e onze). A forma como agarrou o grupo abalado com o drama de Eriksen revelou o poder de comunicador emocional que se vê durante os jogos em todos membros da seleção dinamarquesa. Mais do que pela alma, soube, porém, também mudar taticamente a equipa que, perdendo esse primeiro jogo com a Finlândia, precisava de se reinventar.
Assim, deixou o 4x2x3x1 (com o n.º 10 Eriksen) e montou um sistema de três centrais (os gigantes Christensen-Kjaer-Vestergaard), soltou laterais como alas (levando Mahele a atingir um nível incrível), dois médios fortes com saída (Hojbjerg-Delaney) e um novo talento no ataque (Damsgaard).
Afinando, assim, o onze-base mostrou depois saber mexer na equipa durante os jogos. Para ganhar (quando subiu Christensem para médio e desfez a linha de três para conquistar o meio-campo à Rússia) ou para segurar a vantagem (quando tirou um avançado e meteu mais um médio-centro, Norgaard, passando para 5x3x2 e esterilizando o ataque da República Checa).
Acredito que, em breve, terá um convite tentador a nível de clube.
3 - Mancini pegou na Itália na mais profunda crise existencial e de valores da sua história. Sem ter referências indiscutíveis de classe, refez uma equipa chamando muitos jogadores até encontrar as teclas certas, posição por posição, para tornar o onze coeso e competitivo. Recusou sistemas mais complexos e baixou as exigências táticas com um 4x3x3 sem "trequartista" (o 10 italiano), mas com o poder de pressão e saída da... pressão que, partindo da segurança defensiva, devolveu criatividade com bola como há muito não se via no futebol italiano. Esta seleção, sedutora e consistente, é o exemplo dessa "obra azzurra".
Entre o conflito e a tática
A forma como Luís Enrique defendeu Morata mostra como um treinador tem de ser um líder-guardião do grupo. Mestre no conflito, manteve-o e não tremeu nas opções de jogo. Soube, no entanto, perceber onde mudar sem criar clivagens. Tirou Llorente, curto como lateral-direito, e meteu Azpilicueta. A equipa melhorou. Manteve o trio no meio-campo, combinando Busquets e Pedri (duas gerações do estilo-Barça) mas na frente hesita em apostar em Dani Olmo a titular. É questionável, mas com Ferran Torres e Sarabia consegue ter um ala mais vertical e outo mais flanqueador. Olmo é mais o chamado "10 de faixa" moderno.
Na Inglaterra, Southgate não olhou a estatutos para fazer o onze base. Assim, Henderson saiu para formar um duplo-pivot de referências complementares: Rice (n.º 6 equilibrador com saída técnica) e Phillips (a sair mais para o jogo e com precisão de passe longo). Tirou Foden e com Sterling indiscutível alterna entre mais um médio segundo-avançado (Mount) ou outro ala (Saka). Taticamente, teve o grande golpe quando, contra a Alemanha, mudou de 4x3x3 para 3x4x2x1, com três centrais, fazendo defesa de cinco, anulando o ataque alemão. Encaixou para depois... desencaixar (o lançar de Grealish, desde a esquerda com visão de 10). É a melhor Inglaterra tática de muitas décadas.