PLANETA DO FUTEBOL - Sem o drama de derrotas anteriores com o pesadelo francês. O peso do jogo não era o mesmo, nem a noite era para heróis ou vilões
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1 - Desde o início, percebeu-se que, ao contrário de outros duelos contra o "exercito gaulês", este não seria para heróis ou vilões individuais. Este era jogo para operários, personagens utilitárias que fazem o chamado "lado escuro" do jogo e lhe mostram a luz sem visível protagonismo individual mas com papel decisivo para iluminar a equipa.
A França dominou ofensivamente a primeira parte e retirou capacidade de pressão ao meio-campo português
Por isso, o melhor período de Portugal contra uma "França compacta e móvel" foi quando entrou um desses operários tático-rotativos: Moutinho. Há muito que ele não tinha assim um impacto tão grande no jogar global da seleção, mas o jogo pedia isso. Também é verdade que entrou na fase em que os franceses mais recuavam para defender a vantagem, mas foi ele quem, como gritava Fernando Santos desde o banco, voltou a "colar" a equipa: "João, joga atrás deles, o jogo está todo partido, assim não conseguimos atacar".
Ouvia-se no silêncio deste novo futebol de bancadas vazias mas de "porta aberta orelhuda" para tudo que se diz no relvado, os gritos e desabafos de todos que o pisam. Já era tarde. Antes, os franceses já tinham ganho o jogo. Sem apelo.
2 - A vitória gaulesa teve bases táticas no comportamento atípico do seu losango a atacar. Em vez de meter dois avançados "em cunha por dentro" com Griezmann como vértice ofensivo atrás desse losango, colocou a dupla atacante aparentemente distante. Isto é, enquanto Martial se fixava mais como n.º 9 nesse posto em cunha entre os centrais portugueses, o outro avançado da dupla, Coman, jogava aberto na faixa, sobretudo na direita.
Desta forma, arrastava marcações, invadindo outros espaços e confundia a defesa portuguesa de como marcá-lo, tal o seu constante posicionamento/mobilidade alternado "fora e dentro". Ao mesmo tempo, Griezmann dava passos atrás para pegar na bola e ia caindo nos espaços entre linhas sem ser apertado antes. Com esta dinâmica, a França dominou ofensivamente a primeira parte e retirou capacidade de pressão ao meio-campo português, apropriando-se da bola e dos espaços.
3 - Apesar destas evidências táticas do "jogo global" existirá a tendência de contrariar a primeira frase deste artigo lembrando a bola largada por Rui Patrício que deu o solitário golo da vitória à França.
É verdade, como foram antes as suas defesas salvadoras de "um-para-um" para manter o 0-0. Mais evidente no lance do golo (do qual Fernando Santos falou com um "enfim" e encolher de ombros) foi a passividade do lado direito do nosso processo defensivo, de Cancelo ao resto da ausência de apoios com "encurtamento" de espaços de controlo/triangulação aos franceses que entravam na nossa área). Dar, nesses locais, sucessivos metros quadrados de diferença é fatal.
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Szoboszlai: "bad boy" com cabeça
O novo craque de golos bonitos que resolve jogos sozinho é, afinal, mais um exemplo de reciclagem posicional de uma espécie desaparecida: o antigo n.º 10 que jogava no meio a coordenar o jogo, o chamado pivô... ofensivo, agora desterrado para uma faixa de forma a não perturbar os equilíbrios defensivos centrais pós-perda da bola. Desta forma, o "magiar" Dominik Szoboszlai, destro, já se habituou a montar a sua "tenda de futebol criativo" a partir da faixa esquerda (faz na seleção da Hungria como no seu clube, o RB Salzburgo) inventando, depois, através das famosas diagonais, grandes jogadas de golo que assina no fim com uma qualidade técnica de remate colocado notável.
Gostava de o ver, nesta fase de "maturação do talento" a jogar mais vezes, por posição, no centro. O seu futebol precisava disso para crescer sustentado em fundamentos de jogo mais evoluídos. Tem apenas 20 anos e a personalidade precoce que lhe permite discutir com o árbitro no primeiro minuto, também fazer faltas quando perde a bola, zangar-se e, por fim, mostrar que tinha razão da melhor forma: com uma grande jogada que resolve o jogo. É um talento a nascer já com o "nariz no ar". Ótimo, penso eu quando o vejo jogar. O futebol precisa destes "bad boys" com cabeça.
Bastoni: futuro
O novo defesa-central de referência que a Itália está a formar. Bastoni, 21 anos, alinha no Inter e joga como central pela esquerda numa "linha de 3". Na seleção, entra numa clássica defesa a "4", na dupla de centrais, o que o obriga mais a sair a jogar com bola, algo que lhe favorece maior desenvolvimento da técnica de condução e passe (preciso e com visão, a executá-los de forma vertical ou longa). Aprende, desta forma, a jogar nos dois sistemas, mas é no segundo que pode evoluir mais.
Kanté: máquina
Gostei de ouvir, no fim do jogo, Fernando Santos falar na importância da "casa de máquinas"! No leme do losango francês, o "motorzinho" Kanté. Sempre no mesmo ritmo o jogo todo. Não precisa de dar "piques", porque parte sempre no momento certo para atacar o espaço e a bola. Tem a responsabilidade de, sem bola, ser um "mestre dos equilíbrios" tático-defensivos. Tem a visão cirúrgica de, após pressionar/recuperar, sair para o jogo em posse e, altruísta, soltar a bola no momento certo sem ânsia de protagonismo. Na Luz, deu para também fazer um golo que festejou burocraticamente. Uma verdadeira máquina de "futebol subterrâneo" que emerge acima da relva.
Pau Torres: central
Outro bom central a despontar para o estilo de "sair a jogar" espanhol. Do lado esquerdo da dupla de centrais, define bem os passos em frente a dar em posse e o momento do passe. Forte fisicamente (1,91 m e 80 kg) também marca presença autoritária a defender, com segurança, sem agressividade excessiva. Classe física sem osso e com bola. É o estilo de Pau Torres, 23 anos, a jogar no Villarreal (onde se formou), hoje treinado por Unay Emery que potencia essa forma de jogar.