Espanha-Suécia: Isak, um avançado que torna em oiro as pedras que lhe chegam
PLANETA DO EUROPEU - Um artigo de análise de Luís Freitas Lobo.
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1 Ter a bola e viver com ela, com qualidade de vida. Não ter a bola e encarar essa fatalidade sem ponta de desgosto.
Entre o estilo da Espanha e da Suécia existe um abismo de intimidade com a cultura de posse, mas um jogo pode ser decidido de igual forma por esses diferentes desígnios. Plantando um 4x4x2 em bloco-baixo, com duas linhas de quatro muito juntas, o onze sueco nunca tirou os olhos da bola. Um onze-iceberg com uma dupla de médios-centro defensivos (Ekdal e Olsson), que travaram sempre a melhor superfície de passe dos interiores espanhóis (sobretudo Pedri, 18 anos a dar toques na bola desde o berço).
A finalização, a cruel palavra da eficácia, parece, com o argumento do "resultadismo", traduzir os problemas desta Espanha, mas nem tudo se pode resumir a esse ultimo remate. A equipa necessita, claro, do melhor Moreno para finalizar, mas o mais importante está presente no jogo, na velocidade da bola mais do que dos jogadores.
2 Parece desengonçado, muitas vezes mete-se no meio das zonas mais marcadas, mas sai sempre dessas situações com uma simplicidade (agilidade de avançado feito de borracha) e cara de naturalidade que impressionam. É Isak, um avançado sueco que, sozinho, em duas bolas que pareciam inofensivas, mostrou que consegue tornar em oiro as pedras que lhe chegam. A técnica que sai de cabines telefónicas com a porta... fechada. Um craque para continuar a ver, tentando decifrá-lo, neste Europeu. Não é fácil.
3 A Polónia entrou com uma ideia de jogo para ter a bola (e teve), mas esse pensamento de equipa grande chocava com a forma como, em 3x5x2, que enchia o meio-campo com muitos jogadores próximos uns dos outros, com a falta de rasgo individual em espaços curtos perante o recuo do onze eslovaco a fazer o campo pequeno. Sem abrir o jogo na largura, prendeu-o no meio e cansou-se de ter tanta... posse sem ver linhas de passe. Melhorou com Jozwiak a extremo e Rybus lateral-motorizado a fazer todo flanco esquerdo. Saiu do engarrafamento central, abriu o "jogo exterior" e ganhou espaços.
Esta seleção da Eslováquia vale, porém, mais do que parece. Não se lhe deteta, no imediato, grandes pontos fortes, não tem ponta-de-lança (joga com o falso "9", Duda), perdeu o seu "10" ao máximo (Hamsik já não tem fulgor de outrora), mas vive pacificamente a defender em bloco recuado, sem bola. Kucka é um guerreiro com doutoramento tático italiano. Aguenta o jogo a meio-campo (segura o 4x3x3 que é um 4x5x1 a defender) e depois lança o contra-ataque com a velocidade do ala Mak. Tudo pontos fortes camuflados pelo bloco baixo com que se coloca (e espera o seu momento, uma jogada que seja, no jogo). Apanhou duas e ganhou.
Sistemas? Não. Estilo!
Nenhuma tática se faria por uma mensagem num avião a sobrevoar um treino. Sucedeu sob a cabeça da seleção da Holanda e exigia a simplificação do jogo laranja com o regresso ao tradicional 4x3x3 Nesse momento é que De Boer terá decidido mesmo manter o seu 3x4x3, versão 3x4x1x2, e, muito por isso, o Holanda-Ucrânia foi um jogo aberto, em que todos pediram a bola constantemente. O futebol holandês, independente do sistema, tem voz própria de autor e é só isso que, desde os anos 70, lhe pedimos a cada um destes grandes torneios.
De Boer meteu, no entanto, um verdadeiro n.º 9 (Weghorst) na equação do 3x4x3 e não um falso (como Deepay, que jogou solto em seu torno) e isso faz toda a diferença. Assim, o triângulo "2x1" do meio-campo reaparecia como num clássico 4x3x3. A dupla De Jong-De Roon segurou a base da equipa à frente dos três centrais e Wijnaldum ressurgia numa posição mais adiantada, quase 10 de último passe.
O cruzamento de estruturas (entre o meio-campo do 4x3x3 e a estrutura desde trás da defesa a três, base da subida dos laterais, Van Aanholt e Dumfries, este com grande exibição, a atacar) mostrava como todo este debate sobre sistemas é menor perante a importância de manutenção do estilo (a filosofia de jogo apoiado, com trocas posicionais, da escola holandesa).