Escalões de formação: subidas ou descidas, o treinador decide!
Pedro Sequeira, vice-presidente da Federação de Andebol de Portugal, membro da comissão de métodos da Federação Europeia de Andebol, presidente da Confederação de Treinadores de Portugal e professor coordenador de Ciências do Desporto em Rio Maior, opina em O JOGO sobre a atualidade desportiva
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O debate sobre os escalões de formação e as suas idades é um assunto em permanente debate. Foi assim no passado, será assim no presente e continuará, seguramente, no futuro. As modalidades, de forma institucional, têm a tendência de colocar e agrupar as crianças e jovens em etapas, escalões ou estádios, tendo em conta a sua idade cronológica. É a média do desenvolvimento, técnico, tático, físico e psicológico que é tomado em consideração. Argumentos como "a maioria dos jovens de 13 anos deviam ou conseguem fazer isto ou a maioria das crianças de oito anos conseguem ou deviam fazer aquilo" são utilizadas para fundamentar as decisões.
Alguns estudos muito bons são utilizados para justificar as decisões, pois têm amostras significativas (em quantidade e qualidade). O trabalho das instituições (federações, associações e clubes) segue assim o seu caminho e vai tomando as melhores medidas. Quando estamos no nível macro (institucional) é, diria, normal, ser assim. Noutras áreas da sociedade não é muito diferente, imagino. Uma lei é feita para um conjunto de cidadãos e não para um único cidadão, por exemplo. Parece, portanto, um não-assunto. Pois, mas não é.
Em todas as modalidades desportivas cada atleta é um atleta. Seja no ténis, judo ou andebol. Reforço que numa modalidade coletiva como o andebol, cada andebolista continua a ser um andebolista. A análise e avaliação que é feita constantemente pelo treinador a cada atleta é profunda e engloba um número enorme de características e fatores. E é feita todos os dias, seja em treino ou em competição, ou fora do espaço do mesmo.
Podíamos resumir ao clássico "a idade biológica pode ser diferente mesmo quando a idade cronológica é idêntica" - duas crianças de dez anos têm uma história biológica diferente -, mas também isso hoje é redundante pois sabemos que o contexto social, educativo, familiar, entre outros, influencia o desenvolvimento das crianças e jovens.
Utilizamos dois nomes e duas crianças fictícias: a Joana e a Raquel têm 11 anos e jogam andebol na mesma equipa e no mesmo escalão. Com fisionomias semelhantes e grande entrega nos treinos e jogos, a Joana e a Raquel apresentam uma disponibilidade do agrado de qualquer treinador. Mas há um pormenor que as distingue: a Joana joga andebol desde os seis anos, enquanto a Raquel começou este ano. A Joana já remata bem dos seis e dos nove metros, consegue fintar as adversárias e a defender tem uma agilidade que lhe permite utilizar o corpo para não deixar as opositoras ultrapassarem-na. Já a Raquel está a tentar perceber o jogo. Quando tem a bola não sabe muito bem o que fazer. Quando está a driblar não vê as colegas pois sente a necessidade de olhar para a bola e quando lhe passam a bola demora tempo a pensar o que fazer. Quando o treinador a ajuda, lá sai um bom passe e a alegria no sucesso é notório. Que decisão a tomar?
"Num clube com vários escalões as preocupações com os níveis de desenvolvimento desportivo podem e devem ser resolvidos pelos treinadores"
Regulamentarmente, as duas têm de jogar no mesmo escalão. A Joana, eventualmente, para ter mais desafios, poderá treinar e jogar no escalão acima. Até aqui parece fácil (não é, falaremos disso mais à frente). E se toda a equipa for do nível da Joana? Sobem todas de escalão? Aconselha-se a Raquel a esforçar-se mais? A escolher outra modalidade? Deixa-se andar pois o tempo resolve tudo? É aqui que quero chegar. Os regulamentos das modalidades são feitos para um conjunto (para a média, como disse anteriormente) e não para cada um, individualmente. Já os treinos e as competições não formais (ou formais fora dos quadros competitivos, como os torneios, por exemplo) são uma escolha única e exclusivamente do treinador.
No caso anterior, provavelmente faria bem à Raquel treinar com o escalão inferior para aí ir buscar as bases que necessita para chegar ao nível da Joana e das suas colegas. Não há nenhuma regra que impeça isso nos treinos. Num clube com vários escalões as preocupações com os níveis de desenvolvimento desportivo podem e devem ser resolvidos pelos treinadores. E se tudo estiver bem delineado e explicado de início, pais e atletas compreenderão que tudo será feito para o melhor desenvolvimento de cada uma.
Como disse anteriormente, claro que não é fácil a decisão. Uma ida ao escalão a baixo pode ser entendido como uma despromoção (ter de treinar com os maio novos) e uma subida de escalão pode ser vista como um prémio (poder treinar com os mais velhos). Mas, na verdade, não se trata disso.
Os treinadores têm de encontrar formas de ajudarem os seus atletas a crescerem e desenvolverem-se em diversas áreas. As decisões pontuais ou definitivas de onde ou com quem treinar é da única responsabilidade dos treinadores, tendo em conta os altos interesses dos atletas.
Não são os regulamentos ou outras diretivas que impedem isso. Não há competição para determinado tipo de atletas, cabe ao treinador criá-la. Como? No clube ao lado, no clube de outra região, haverá outro treinador com problemas idênticos. E outro, e outro. Problemas semelhantes, soluções conjuntas. Não podem os treinadores (e os dirigentes) esperar que sejam as federações ou associações regionais a resolverem todos os problemas. É impossível, face à tal individualidade e especificidade de cada atleta. Já há muitos treinadores e clubes a seguirem este caminho, decisivo, de serem os responsáveis pelas medidas a tomar e a criar condições para as executar. Desta forma estará garantido aquilo que é a finalidade de qualquer escalão de formação: formar em todas as vertentes tendo em conta as necessidades de cada atleta.