VISTO DO SOFÁ - Opinião de Álvaro Magalhães
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Enzo Fernández partiu para o Chelsea seis meses depois de ter dito, quando aterrou em Lisboa, que o Benfica seria um trampolim para um futuro salto. Chamem-lhe mercenário, ingrato, o que quiserem, mas não digam que ele não avisou.
Foi tudo muito normal, mas os benfiquistas ficaram sentidos. Com mais mágoa ou mais crispação, adeptos, jogadores, treinador e presidente, todos, portanto, ergueram um coro que lamentou a falta de amor de Enzo pelo clube. Os adeptos usaram as redes sociais para o queixume e a imprecação. Schmidt disse que «só queriam jogadores que fossem apaixonados pelo clube». Os outros jogadores do plantel ficaram indignados, pois são todos amantes fiéis e nunca trocariam o clube por outro melhor, que pertencesse à melhor liga do mundo, nem que lhes pagassem uma fortuna (56 milhões até ao final do contrato). Eram lá capazes de uma coisa dessas! Por sua vez, Rui Costa deu uma entrevista confessional à BTV, onde explicou o desenlace com o azedume e o ressentimento dos amantes rejeitados.
Quer dizer: receberam uma verba exorbitante (o jogador, como já veio dizer Souness, é de 45 milhões), mas trocavam isso por amor. Que sensíveis e carentes que os benfiquistas estão. E qual amor? Se ainda fosse amor ao River Plate, o clube onde Enzo cresceu e se fez jogador. Se ainda fosse amor ao Chelsea, que tanto lutou (e pagou) para o ter. Se ainda houvesse disso, amor. Aquele gesto de bater no lugar do coração, que o argentino fez, na Póvoa, não tinha cobertura sentimental, foi meramente folclórico.
Por tudo isso, custou a aturar tanta choraminguice. Não houve drama passional, por exemplo, na saída de Porro, que também era um jogador imperdível; e também foi para a Premier League pelo pagamento da cláusula de rescisão, ou seja, contra a vontade do treinador, do presidente e dos adeptos.
À partida, Porro disse aos jornalistas que agradecia ao Sporting, mas ia realizar o seu sonho. Tudo normal, é assim a vida saltitante dos jogadores deste tempo. Enzo é o melhor exemplo disso, pois começou a época no River Plate, veio para o Benfica e, a meio da época, foi para o Chelsea. E ainda teve espaço e tempo para ser campeão do mundo. Eis o verdadeiro jogador-transeunte deste nosso tempo. Para ele, e para outros, quase todos, primeiro, está a carreira e o dinheiro, depois, está a carreira e o dinheiro e, finalmente, está a carreira e o dinheiro. E não têm coração, estes jogadores? Parece que sim, mas está mesmo ao pé do bolso.
Por sua vez, o esforço que Rui Costa fez para manter Enzo até final da época, pagando-lhe como se já estivesse no Chelsea e baixando o preço da venda, numa atitude de total desprezo pelo dinheiro, também foi impressionante e sinaliza a sua obsessão pela conquista de títulos, mais o medo que tem de não os ganhar. A tribo esmorece à míngua de vitórias, essa é uma necessidade aflitiva, quase sufocante. E cofres cheios de dinheiro não ganham campeonatos nem brilham na Champions. Esta época, o lema dos carentes benfiquistas também é dramático: ganhar ou morrer.