PLANETA DO FUTEBOL >> Quando nos surge uma seleção a confrontar-nos com um estilo, só queremos rapidamente tapar-lhe a boca (o jogo) com o nosso veneno
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1 - Defrontar a Espanha não é apenas defrontar outra seleção, é jogar contra uma escola de futebol. Não se trata só dum desafio tático a nível de sistemas ou estratégias. Trata-se dum desafio ao nível de estilos de jogo.
Nesse sentido, a nossa seleção, taticamente muito forte no plano da leitura do jogo (inclusive a identificar os pontos fortes adversários e anulá-los), sente uma dificuldade extra porque, apesar da sua enorme competitividade, não tem esse estilo definido.
Tem planos de jogo, diferentes sistemas, jogadores de talento e rotação (penso aqui no triângulo do meio-campo) que a mantêm sempre muito intensa, mas sofre quando sente o jogo fugir desses meros 90 minutos e ter uma origem estilística muito vincada. Ou seja, quando, em campo, é confrontada com uma identidade e não mais um simples adversário.
2 - Ficamos inconfortáveis. Sabemos o nosso valor, mas a nossa identidade não é um valor absoluto com uma resposta de jogo só (como o estilo da Espanha). A nossa identidade está no mestrado da estratégia e do jogar bem tático.
É nestes confrontos em que o lado do estilo toma conta da bola e das operações do jogo que sentimos mais dificuldades. Porque, de repente, é como não soubéssemos... quem somos. Que cara devemos adquirir?
Como não temos um refúgio de estilo ao qual deitarmos mão nesse momento, a reação é querer responder, ao mesmo tempo, com diferentes coisas no jogo. Com essa ânsia de parar o adversário (para o seu estilo de jogo "deixar de falar" e nos reorganizamos), acabamos por nos confundir e não dizer taticamente coisas com sentido (entenda-se princípios de jogo cruzados com posicionamentos certos nas transições, sobretudo no pós-recuperação de bola). Acabamos assim em sofrimento.
3 -Como sair disto? Pensava Fernando Santos naquela primeira meia hora em que (sem definir zonas de pressão coletiva) só víamos a bola a passar, velozmente, num jogo circular e vertical, à frente do nariz dos nossos jogadores e a aparecer com perigo perto da nossa baliza.
Com o tempo, a nossa superior leitura de "por onde o jogo anda" permitiu estabilizar coberturas e, com a rotação mecanizada do nosso jogar (recorrendo à memória coletiva, porque pouco se treinou), equilibrámos este confronto de valores diferentes.
No final, porém, senti como a escola e um estilo bem definido são (ganhando ou perdendo) um tesouro incalculável para um país de futebol ter como referência quando, mais do que nos desafiarem sobre como jogamos, nos desafiam sobre quem somos, e então não conseguimos dar uma resposta clara e rápida ao opositor. Para refletir.