Miguel Laranjeiro, presidente da Federação de Andebol de Portugal, em nova crónica para O JOGO.
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O dinheiro não será tudo, mas desculpem-me os que assim pensam, sem uma "bazuca" no Desporto em Portugal, tudo será mais difícil e mais uma vez nos distanciaremos da média europeia em termos de atividade física e desportiva. O Desporto em Portugal está a viver a maior crise da sua história contemporânea. Não vale a pena enterrar a cabeça na areia e esperar que passe. Não podemos aceitar que o Desporto seja colocado num gueto, fruto de um preconceito de quem provavelmente nunca praticou uma modalidade ou menos ainda esteve ligado a um clube ou a uma associação desportiva.
Chegamos já ao ponto em que arriscamos a perda de milhares de crianças e jovens atletas, muito em particular nos desportos coletivos. Queremos continuar assim?
Precisamos de uma "bazuca" para o desporto e não de pequenos paliativos. Há um enorme esforço de dirigentes voluntários por este país fora, responsáveis de clubes e treinadores, que estão a fazer milagres para manter vivos os projetos desportivos. Estes homens e mulheres veem-se agora confrontados com a luta pela sobrevivência dos clubes. Para colocarem a sua experiência, vontade e resiliência em prática, precisam de ajuda e urgente. Não vale a pena enganar.
Se todos os setores estão ou vão receber apoios diretos, por que razão não deve o Desporto também receber? Preconceito, mais uma vez? Está anunciado que "não haverá austeridade" e "ninguém vai ficar para trás". De acordo, mas então porque é que o Desporto vive este drama? Preconceito?
É preciso dizer que as Federações desportivas estão a fazer tudo para manter a rede de clubes e equipas, tentando diminuir assim as quebras de inscrições e da prática desportiva, presente e futura. Estão a isentar as taxas de diversos escalões, diminuindo custos de contexto, mas com uma implicação brutal na tesouraria das suas estruturas, que tem de ser compensado de alguma forma.
Aguardemos a discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2021 e as medidas e verbas alocadas no Plano de Recuperação e Resiliência. Recordo que aqui ao lado, o primeiro ministro espanhol anunciou que o Desporto e a Cultura estão entre as 10 alavancas para a recuperação do país vizinho. Repito: uma das alavancas, e por isso preparou uma "bazuca" de 1,1% de todo o Programa de Recuperação e Resiliência espanhol no valor total de 72.000 M€ entre os anos de 2021 e 2023. É só fazer as contas. Pedro Sanchez considerou mesmo este setor como uma "indústria indispensável para o desenvolvimento de uma sociedade livre e aberta". Na mouche. E em Portugal?
Já as Nações Unidas tinham solicitado que todos os países incluam o desporto e a atividade física nos planos de recuperação pós COVID-19.
Parece haver sempre por cá um preconceito contra o Desporto da parte de quem decide ou quem tem algum espaço mediático. Talvez em parte por culpa própria, nalgumas situações específicas, mas que não representam o Desporto por este país fora. Não temos tido o compromisso, o acompanhamento e até o respeito que outras áreas da sociedade, e bem, têm conseguido. Se estamos numa fase contra todos os preconceitos, não é altura de deixar de olhar de lado para o Desporto?
A formação é essencial
A formação no Desporto é essencial e devemos ter isso em conta. Não é possível adiar muito mais. As crianças e os jovens estão a sofrer com esta paragem e cada dia que passa, é um passo atrás. E o que não precisamos para o Desporto neste país, são passos atrás. É que já estamos muito atrás. É anunciado e repetido que "o país não pode parar outra vez", como aconteceu durante o confinamento. Não posso estar mais de acordo, mas se assim é deve de ser para todos e em todos os setores, cumprindo as regras da DGS. Mas não parar.
O Desporto precisa de medidas concretas, apoios específicos, investimento e uma aposta a começar agora e que se deve prolongar pela próxima década.
O Desporto pode ter um papel fundamental e ser agregador para uma melhor saída da crise económica e social que estamos e vamos viver nos próximos anos. Pode ser a alavanca de que os espanhóis falam.
Neste quadro, não vislumbro porque é que esta atividade não tem o espaço merecido no discurso público e político. Ou é insensibilidade e desconhecimento o que é grave, ou então voltamos ao preconceito contra o Desporto, o que é pior.