PLENETA DO FUTEBOL -Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Ao lembrar-se de contar aquela velha história de um dia ter perguntado a Hagan, treinador inglês de métodos duros dos anos 70, porque não tirava o Eusébio quando ele estava a jogar mal (quando o "King" já estava em fim de carreira) e ouviu como resposta "Sim, mas e se depois aparecer na área a bola certa e o Eusébio não estiver lá?", Fernando Santos estava, no fundo, a revelar o interior da sua cabeça durante o jogo com a Irlanda.
Uma angústia de pensamentos vendo como, após falhar cedo um penálti, Ronaldo caiu numa obsessão egocêntrica a pedir sempre a bola (devorando outras opções dos colegas) perdendo-a em tentativas individuais, sem render, mesmo quando puxado mais para a esquerda.
Porque, terá questionado nessa altura, não o tiro, como sucederia, naturalmente, com qualquer outro jogador "normal"? Porque existe um crédito de génio exterminador-decisivo que não o permite. É o tal "conceito da bola certa". E se ela aparece na área e o Ronaldo já lá não está?
Quando saíram, já na pressão final, aqueles dois centros-passe de Gonçalo Guedes e João Mário, pressentiu-se a força desse momento que vive acima de todo o jogo. Ronaldo subiu e correspondeu, impulsão e cabeceamento, às duas "bolas certas" transformando-as em dois golos. Em nenhum momento dos anteriores 89 minutos nos fizera jogar melhor. Em cinco (com os descontos) fez-nos ganhar. Ponto final.
2 A seleção sofreu muito para vencer o combativo mas torpe onze irlandês, sobretudo porque, durante quase todo o tempo, quis jogar o jogo no território de estilo britânico mais primitivo, em vez de o fazer impondo a autoridade de equipa mais forte, com o seu. O predomínio do conceito do físico do jogo em vez do conceito da técnica provocou essa encruzilhada.
Também Fernando Santos, indiretamente, o revelou quando focou esses dois momentos de domínio de estilo distintos no nosso jogo ao identificar, dentro do primeiro conceito, o seu melhor e pior período como, respetivamente, aquele em que Palhinha ganhou mais "segundas bolas" e aquele em que o Palhinha começou a perder as "segundas bolas".
Um simples dado revelador do futebol de contacto como principio para jogar. Um estilo contranatura que conceptualmente nos reduz/equipara ao rudimentar velho jogo de choque britânico.
Tudo muda, quando levamos o jogo para o segundo conceito, com a entrada, como admitiu Fernando Santos, dos "dois Joões". Referia-se a João Mário e João Moutinho. Ou seja, referia-se à entrada de outro estilo de jogo. Em vez do choque, a bola passou a andar na relva de pé para pé (a técnica na tática) e, de repente, o jogo passou a ser nosso, incapaz de ser percebido pelos irlandeses. Virámos o resultado. Naturalmente.
O salto, o cabeceamento, a bola
A potência da impulsão e a técnica de cabeceamento. Onde começam e acabam aqueles dois golos de Ronaldo frente à Irlanda? Na dimensão física potenciada ao máximo ou na execução técnica perfeita? Dirão os mais consensuais que é uma mistura das duas. Será, admito. Mas para ela existir, no jogo (porque não faz sentido existir apenas no vazio do salto) todo esse cruzamento que faz o jogador-total só é possível com o supremo instrumento de referencia na equação. Qual? A bola, claro. Sem ela, nada teria intenção e precisão. Física e técnica. Do treino ao jogo. Sempre presente.
Quando vejo jogos contra estas equipas britânicas a querer jogar um futebol de antigamente perdido no tempo, lembro de como, no passado, sentíamos dificuldades com eles e éramos dominados porque, pura e simplesmente, não conseguíamos tirar o jogo da mera disputa física. Ou seja, éramos melhor na técnica, com bola, mas não nos davam para as ter.
Por isso, o importante hoje é que passamos a dominar os tempos de jogo. Quando não o conseguimos (por regressão mental estilista ao passado) é como se voltássemos aos anos 70/80. Eles fecham-se com linha de defesa a "5" e não nos deixam jogar o nosso jogo.
Vivemos tempos de milénio diferentes. O futebol português nunca se pode esquecer disso.