PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Vejo o Benfica a jogar contra o Bayern e o sentimento é como ver uma equipa a tentar jogar contra o destino.
Esta sensação, porém, passa com quase todas entregues a esse desafio futebolisticamente desumano.
Tirando outros (poucos) gigantes do seu mundo, todas as equipas que defrontam o Bayern sabem que vão passar a maioria do tempo do jogo sem a bola e em organização defensiva. Perante essa inevitabilidade, o poder de ser competitivo tem de, naturalmente, ser, prioritariamente, nesse momento do jogo. A questão que então se coloca é saber como o vai fazer.
Com essa consciência, senti que Jesus teve uma ideia ambiciosa para desafiar o Bayern (e ser então competitivo a partir desse momento). Tentou que a equipa, embora baixando mais o bloco do que é habitual no seu modelo, não ficasse nunca numa trincheira de bloco-baixo e subisse (sempre que possível) a linha defensiva.
2 A ideia não era pressionar alto (opção suicida contra este Bayern que salta facilmente essa pressão é é depois mortífero a atacar espaços vazios), mas sim ter a defesa mais subida e apostar em fazer o fora-de-jogo para controlar o espaço de profundidade nas costas.
Assim, também pensava noutro momento do jogo: a transição rápida defesa-ataque para lançar o contra-ataque na velocidade de Darwin e Rafa. Ganhando a bola um pouco mais adiantada, poderia atacar com maior perigo os espaços que o Bayern deixa atrás como equipa grande dominadora. Assim foi, de forma empolgante em dois lances, com Darwin e Diogo Gonçalves (para duas defesas monumentais de Neuer).
Claro que entre o que se passava no jogo e registava no resultado existiam bolas no poste, golos invalidados ou falhas de centímetros. Ou seja, a diferença entre o que Bayern produzia e concretizava até ao minuto 70. Jesus falou no momento decisivo do jogo a entrada de Gnabry. Não foi só isso. Foi ele entrar, para fazer toda a faixa direita (saindo o lateral Pavard) e manterem-se na mesma Sané e Coman, os extremos.
3 Entendo que se confunda esta estratégia como mera resistência. mas era a única forma de Jesus tornar o seu Benfica competitivo contra este Bayern. Isto é, o ideal da competitividade no campo toda choca com a obrigatoriedade de ter de jogar (por imposição do monstro adversário) na maioria do tempo em organização defensiva.
Em suma: é impossível ser-se competitivo onde o jogo não se está a disputar.
A melhor estratégia é, então, de assumir essa realidade do jogo e jogar nele com inteligência diferente (sem dilemas estéticos) nos seus diferentes momentos. O que não se pode mesmo é sair mentalmente do jogo (com "transfer" tático) quando se sofre o primeiro golo. Nesse momento, tudo se desfaz e as diferenças abismais ficam totalmente expostas.
Ninguém é sempre igual
Depois dos jogos europeus, volta o campeonato onde todos se conhecem e sabem o que os outros estão a pensar. O tamanho dos adversários é, por isso, ilusório porque o habitat competitivo é totalmente distinto. Depois de Milan e Bayern, defrontar Tondela e Vizela pode parecer desmotivador para a mudança de chip rápida dos jogadores, mas é nesse poder mental-transformador, antes da tática, que está a missão de Conceição e Jesus.
No Sporting, Amorim tem utilizado os jogos da Champions mais como uma espécie de habitat de crescimento da equipa. Ao contrário dos outros grandes, está há muito afastada desta realidade pelo que relativiza os resultados (vitória ou derrotas) e procura, sobretudo, que a equipa não os sinta no "transfer" para o campeonato, onde (mesmo após goleada na Europa) surgiu sempre completa competitivamente. A vitória na Turquia terá de ter a mesma abordagem de grupo.
As três equipas têm de ser diferentes na Europa e no campeonato. É, no fundo, o entendimento de como a competitividade não é uma valor exibicional absoluto em termos de modelo de jogo mas sim em termos da sua adaptabilidade a diferentes realidades e o que esses jogos (e diferentes níveis de adversários) exigem. Tática e mentalmente. É como saber viver futebolisticamente em dois mundos paralelos.