Dizem tudo de Ronaldo... deixam por dizer tudo sobre Bernardo Silva
PLANETA DO FUTEBOL - A crónica de Luís Freitas Lobo
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1 - Não vi o nome dele em nenhuma primeira página ontem. E, no entanto, no dia anterior tinha sonhado acordado com ele. Sim, porque os meus sonhos de futebol são diferentes.
O construtor e o finalizador. Uma distinção obrigatória para saber a ordem natural dum jogo e construção dum resultado
Marcar quatro golos num jogo diz tudo sobre o efeito desse jogador no resultado. Não diz, porém, por si só, do seu efeito prévio no jogo até se chegar a esse último elo finalizador. Ou seja, em nomes próprios, dizem tudo de Ronaldo a atacar contra a baliza da Lituânia. Deixam por dizer tudo sobre Bernardo Silva no jogo e, para o póquer goleador em concreto, dos dois passes de precisão e execução técnica divino-cirúrgica feitos para o Adónis Ronaldo só encostar.
Já antes, aliás, numa primeira parte partida por não assentarmos o nosso jogo nas zonas intermediárias de controlo, fizera outros com a mesma qualidade, mas aí Ronaldo falhara (não se pode marcar sempre, e os outros dois foram um penálti e um remate falhado mas em que o guarda-redes deu uma espécie de frango-autogolo).
2 - Não faço primeiras páginas (ainda bem). Porque doutra forma tinha de dividir nela as fotos dos dois. A do construtor e a do finalizador (em formato exterminador). É uma distinção obrigatória para se fazer a junção certa do que é a ordem natural dum jogo e a construção dum resultado.
E estes dois jogos, algo estranhos, porque embora sentindo sempre que a nossa seleção era superior ao adversário que defrontava (tão diferentes, dos intempestivos mas estratégicos técnicos sérvios aos esforçados corre-caminhos lituanos), em nenhum deles me senti confortável a ver.
Na Lituânia, a menor agressividade defensiva que revelámos num sintético, que faz a bola pular mais, revelou que, para além de análises mais tático-técnicas que se possam fazer ao nosso processo de transição/organização defensiva, a cabeça dos jogadores só estava verdadeiramente disponível para o momento ofensivo.
3 - Quando atacávamos, era quase brincadeira no parque a criar oportunidades (com João Félix a dançar a partir da esquerda, Bernardo a correr com a bola e Ronaldo a ver onde ela ia cair para marcar), mas, a defender, não existia reação imediata à perda. Com a zona de pressão de recuperação desativada, o jogo (o meio-campo) partiu-se naturalmente.
Até se colar na segunda parte, quando William Carvalho recuou no terreno, não para jogar mais... recuado mas para dar maior presença atrás e pegar no jogo a partir de trás, podendo então ser um n.º 8 de saída, como Santos quer, em vez de jogar tão adiantado como na primeira parte, e longe do local intermediário onde devia estar para, em 4x3x3, não deixar o jogo partir-se.
Já não são os sonhos do início. São realidades do dia a dia tático mundano.
Onde é necessário trabalhar mais o nosso processo defensivo
A bola nas costas
Em 4x3x3 ou 4x4x2, a largura com profundidade da Seleção nestes dois jogos dependeu essencialmente, no segundo ponto, da subida dos laterais. Se, na largura de apoio de circulação para depois puxar o jogo para o interior (clássico em Bernardo Silva, em Guedes e, mais por estratégia de movimento, em João Félix para ser segundo avançado), os alas/extremos são o princípio, o fim no lançamento da profundidade pelos flancos são, essencialmente, os laterais.
É algo que precisamos de trabalhar. Estou expectante para ver o que será a evolução de Cancelo (um jogador de que gosto muito mas que não tenho visto crescer taticamente em aquisição de fundamentos de jogo) nas mãos de Guardiola. Mas independentemente desse caso particular, não podemos levar tantas vezes (na Sérvia como na Lituânia) com a bola nas costas dos laterais e o extremo deles a arrancar para a ir buscar nesse espaço vazio (enquanto o nosso lateral ainda roda). Eu sei que o problema nos flancos em geral começa no meio, mas é um ponto-chave no tal trabalho defensivo que Fernando Santos reconheceu ser necessário fazer.