Um texto de opinião de Paulo Faria, que analisa o triunfo da Dinamarca no Mundial de andebol.
Depois de três finais perdidas, a seleção de andebol da Dinamarca venceu pela primeira vez o campeonato do Mundo. Tive a sorte de ter assistido a um jogo da Dinamarca e percebi logo que todo o país vive e respira andebol. Ver miúdos a jogar andebol na rua, ver programas desportivos na TV a analisar os jogos, ver famílias inteiras a participar no desenvolvimento de um desporto tão acarinhado, seja no masculino seja no feminino, diz tudo.
Mas porque é que os nórdicos, e em especial a Dinamarca, estão a dominar o andebol mundial? No artigo anterior escrevi sobre a Skanderborg Handbold Elite Academy, uma das melhores, senão a melhor, academia de andebol e, não querendo ser repetitivo, os clubes de andebol, em especial ABC, Aguas Santas, Madeira SAD, Sporting da Horta, Fermentões, Fafe, Avanca etc, deveriam tentar perceber como podem fazer melhor, fazer mais e ter melhores resultados indo ver como funciona esta academia.
Tentando o impossível, que é resumir num artigo aquilo que eles (dinamarqueses) pensam, podemos chegar facilmente à conclusão que o domínio individual das ações do jogo é a chave determinante para ter sucesso. A Dinamarca, em mais de 90% das situações atacantes, utilizou a mesma ação tática, que foi passe do central para o Mikkel Hansen que, começando a lateral direito, recebe a bola já muito próximo da zona central e, ao mesmo tempo, dá-se uma permuta, sem bola, do central com o lateral esquerdo, ficando os três primeiras linhas quase em metade do campo. Esta ação não tem nada de excecional, mas tem um "pormenor" que faz toda a diferença: Nikolaj Jacabsen, o treinador dinamarquês, sabe que Mikkel Hansen tem o domínio do passe, do remate, da perceção do jogo, da escolha da melhor decisão e, por isso, espera que seja sempre ele a tomar a decisão em função da reação dos adversários, no caso da final dos jogadores noruegueses, que ou eram mais agressivos ao portador da bola ou tentavam fazê-lo em superioridade numérica.
"Aquilo que a Dinamarca fez foi criar, na formação, jogadores completos nas capacidades físicas, nas ações técnicas e individuais do jogo"
Então, como é possível a Dinamarca ter sido campeã mundial praticamente só com uma ação tática ofensiva? É, da mesma forma que o ABC de Braga venceu um playoff e foi campeão nacional contra o Sporting e o Benfica em que Seabra, Spínola, Grilo e Hugo Rocha fizerem, em mais 90% das situações atacantes, a mesma ação, com cruzamento do central com o pivô e depois Grilo ou Seabra decidiam em função do adversário.
Aquilo que a Dinamarca fez foi criar, na formação, jogadores completos nas capacidades físicas, nas ações técnicas e individuais do jogo. Tão simples como isto e, assim, não é importante o tipo de ação escolhida, uma vez que os jogadores têm a capacidade para ler e escolher a melhor decisão e a qualidade para a executar.
"Temos jogadores que são bons no remate, mas maus na tomada de decisão, são bons na escolha da decisão, mas maus a executar"
Temos que reconhecer que os nossos melhores jogadores, apesar da sua enorme qualidade, não dominam todas as ações do jogo e, muitas vezes inconscientemente, atribuímos ao azar, ou ao estado menos bom de forma, os erros, as faltas técnicas, a baixa eficácia. Temos jogadores que são bons no remate, mas maus na tomada de decisão, são bons na escolha da decisão, mas maus a executar, etc., etc.
Os nossos treinadores têm que se preocupar com o jogador "individual", tanto nas ações defensivas como ofensivas, e só depois com o coletivo. Não podemos importar um modelo, porque com ele vem uma cultura, mas devemos aprender com os campeões do Mundo de 2019, que foram anunciando ao mundo que o iam ser, uma vez que foram campeões da Europa em 2008 e 2012 e olímpicos em 2016.
