PLANETA DO FUTEBOL - A crónica de Luís Freitas Lobo ao domingo
Corpo do artigo
1 - Aristóteles dizia que a filosofia nasce do assombro. Do assombro do ser, do assombro de ser no tempo, do assombro de ser neste mundo em que há outros animais e estrelas. Do assombro nasce também a imortalidade e as personagens que, na História, marcaram a transformação a evolução pelas revoluções que provocaram.
Como sinto Diego, para sempre: o "Deus com que sonhei"
Nunca nenhuma foi, na religião, na política, na música ou em qualquer arte, uma personagem de consensos. As grandes revoluções que marcaram a maiores ruturas na História nascem do assombro de vermos nelas a diferença. Maradona era a revolução todos os dias. Por tudo que provocou e provoca.
Não consigo, neste momento em que tenho de dizer adeus ao meu Deus do futebol, melhor forma de o definir naquilo que significava. Falar do que foi como jogador de futebol, dos golos e das jogadas encantadas do país das maravilhas é muito curto, redutor. Diego não era um mero futebolista. Era maior do que o futebol, do que qualquer campo, baldio de terra ou estádio cheio numa final de Mundial. Dos Cebolitas à seleção da Argentina.
2 - Era maior do que a própria vida que criou para si e da qual o seu ser depois sempre saiu com o poder do assombro. Por isso, jogou toda a vida com a vida. Nas ruturas. Na tatuagem do Che, nos encontros com Fidel Castro, os abraços e apoios a Chavez e Lula, o desafio aos poderes da FIFA, a luta pelos direitos dos jogadores como pelos dos povos que "só" ousavam querer ser eles próprios.
Diferentes e assombrosos. Como Diego do bairro de lata de Villa Fiorito até os golos à Inglaterra (com a mão que agora devolve a Deus ou fintando mais de meia "Velha Albion") na mesmo altura em que tantos argentinos perdiam a vida nas Falklands (Malvinas).
O mundo envelheceu muito rapidamente. Nunca houve jovens tão velhos como os de agora. Mas continuo a saber onde estou. Pertenço a um mundo onde poucos têm tudo e muitos não têm nada. Maradona sempre combateu isso e só isso basta-me. A rutura de criar coragem e esperança. A coragem permanece, a esperança, essa, lego-a à eternidade, que não sei onde mora.
3 - A Argentina é um país de mitos. Desde El Chaco até à Ilha do Fogo, o terno, índio e rebelde olhar azul-celeste, iluminou o misticismo de mitos humanos sobrenaturais, revoluções e ruturas, de Che Guevara, Eva Perón, Gardel, Fangio e Maradona. Em todas estas míticas personagens está a história do mundo. Revolucionária e sentimental, romanticamente triste como um tango cantado por Gardel, "El pibe de Abasto", escutado sob as estrelas da noite nas margens de Riachuelo.
Um sentimento que se torna numa forma de vida, arrastada no ritmo quente , lento e sofrido das "milongas", declarações de amor eterno. A mesma música que escuto na minha cabeça vendo os últimos adeus sofridos, de "hinchas" com todas as cores gritando a dor e os assombro, até famílias inteiras com os seus filhos, "pequenos pibes" aos ombros, todos juntos antes da ultima viagem de Diego, curvando-se perante o assombro que ele lhes provocou até ao ultimo dia.
4 - Todos os dias são (devem ser) dia de Maradona. Nas fotos e quadros dele que tenho pelas paredes de minha casa nunca procurei perfeição. Apenas inspiração e assombro. Para os erros e pecados mais humanos, como encontrou a "mulher branca", a cocaína, os excessos e os choros que o fizeram sempre viver dançando na berma do precipício onde fez as maiores jogadas, gestos, proezas e risos. Humanamente divino. Como todos nós, afinal.
A "Igreja Maradoniana" foi criada em Rosário e existe mesmo
Como falar de futebol (só do Diego jogador de futebol) no meio de tudo isto? Recordo-o sempre, em tudo que fez, a vida de excessos e o golo do século, com o assombro do sorriso. Meter o seu futebol numa frase é impossível mas quando me perguntam se foi o melhor de sempre nem sei como responder. Não tem resposta porque tudo o que vi, desde Pelé, Di Stefano e Cruyff, até Zidane, Ronaldo ou Messi, fazerem com uma bola, eu vi Maradona fazer com uma laranja!
Qual a jogada de Diego que mais recordo?
Telefonam-me para falar de Maradona mas não consigo. Recusei, tirando o primeiro impacto da noticia que recebi, falar porque queria tanto que não conseguia. Não consigo. Nem sequer ver as imagens do seu "último Adeus". Chorar pode lavar a alma, mas o único paraíso donde ninguém nos pode expulsar é a memória.
A "Igreja Maradoniana" foi criada em Rosário e existe mesmo, com muitos crentes celebrando casamentos por entre rituais de culto de adoração a um Deus de chuteiras, calções, brincos e tatuagens.
Pedem-me para recordar um golo ou uma jogada dele. Penso com o subconsciente e não tenho dúvidas. Foi em 1985, num jogo contra a Colômbia, e atiraram-lhe uma laranja quando se preparava para marcar um canto e ele viu-a ainda no ar. Quando caía, amorteceu-a com o pé, fazendo um movimento com o calcanhar, ficando colocada à sua bota, sem se desfazer. Então, começou a dar-lhe toques curtos e rápidos, sem a deixar cair, "tic, tic, tic". De repente, levantou-a meio metro, deu a volta, de costas para o público, e deu um pontapé de bicicleta na laranja, que a devolveu mais ou menos ao sítio de onde tinha vindo, mas agora desfeita!
Valdano, que também estava em campo nessa tarde, no seu livro "Sueños de futebol", também conta e confirma a história: "Isso eu vi, não me contaram!".
O relato
Vítor Hugo Morales, golo de Diego à Inglaterra: "La va a tocar para Diego, ahí la tiene Maradona, lo marcan dos, pisa la pelota, arranca por la derecha el genio del fútbol mundial, deja el tendal y va a tocar. Siempre Maradona! Genio! Ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta. GOOOOOOOOL! Dios Santo, viva el fútbol! Es para llorar, perdónenme. Maradona, en recorrida memorable, en la jugada de todos los tiempos. Barrilete cósmico, de qué planeta viniste para dejar en el camino a tanto inglés, para que el país sea un puño apretado gritando por Argentina? Gracias Dios por el fútbol, por Maradona, por estas lágrimas, por este Argentina 2-Inglaterra 0".