PLANETA DO FUTEBOL - O cronista Luís Freitas Lobo escreve hoje, em O JOGO, sobre o Tottenham e o Liverpool.
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1 - Um dia, daqui a muitos anos, alguém ouvirá falar da lenda dos três golos de Lucas Moura (sem, no entanto, ninguém ter entretanto descoberto se ele era destro ou canhoto) e outros ouvirão falar que um dia existiu um belga com umas rastas que surgiu no meio da cidade, perdão, da área, do Barcelona e mesmo com ela apinhada de catalães, ninguém reparou nele. Descobriram, depois, que se chamava Origi.
Não era só alma e coração, era filosofia de jogo e tática. Ou melhor, foi isso tudo junto, porque, nesta dimensão uma coisa não é possível sem a outra.
Por essa altura, a bola estava na sua área e não era por acaso. Era porque Pochettino tinha mudado ao intervalo, tirando um médio-defensivo, Wanyama, para lançar na área um n.º 9 gigante, Llorente, para saltar a todas as bolas, às quais depois Son e Lucas (saídos dos flancos) ou Dele Alli (vindo das suas costas), passando de 4x3x1x2 para um 4x2x3x1 ou 4x3x3 deu a tabela mortífera, de execução técnica notável, entre três mestres do impossível: Llorente, Ali, Lucas.
Como Klopp e Pochetinno mexeram nas suas equipas para ganhar taticamente com filosofia e alma. Modelos de jogo e de coração!
2 - Depois de ter sido derrotado por Messi em Barcelona, Klopp mudou o sistema e plano de jogo para a segunda mão em que só dizia ser possível o... impossível pelos jogadores que tinha. Nessa afirmação, estava um truque emocional para ninguém pensar que os mais perigosos (Firmino e Salah) nem podiam jogar. Jogaram Shaqiri e o tal belga a quem nenhum jogador do Barcelona deu importância. Quando o lateral Robertson se lesionou e entrou Wjnaldum (derivando Milner para a esquerda) o plano ganhou mais força.
Em vez do 4x4x2 losango do Camp Nou, Klopp regressou ao seu 4x3x3 e largou Sadio Mané desde a esquerda. Cada arranque era um desequilíbrio tático no processo defensivo do Barcelona que nunca definira o sistema em que queria jogar (tanto a atacar como a defender). Parecia um 4x3x3. Não era. Era um 4x4x2 sem expressão porque Coutinho, o pretenso ala-direito, jogava muito atrás completando no meio-campo num 4x4x2 que soltava Luis Suárez e Messi no centro do ataque.
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Ter Vidal e Busquets ao mesmo tempo no meio-campo é um contrassenso. Em vez de se complementarem (Busquets a sair a jogar, equilibrando, e Vidal a lutar subindo a dimensão física do jogo sem necessidade) tornou a atual forma de jogar do Barcelona indefinida: não segura a bola, aumenta a velocidade sem necessidade, mete físico onde devia meter tática. Desaparece ideologicamente.
Neste contexto, Klopp tinha o território ideal para jogar o... seu jogo de avançados rápidos, corridas de 100 metros em cada jogada de ataque e fazer da ordem um caos com que só ele (e seus jogadores) sabia viver, uma espécie de "desorganização organizada".
Lucas só fala verdade
Tudo isto faz parte dos melhores "efeitos especiais" de futebol de todos os tempos. De Liverpool a Amesterdão, a tese que o futebol atual é propriedade dos jogadores rápidos (e do jogo rápido que provocam) triunfou. Por razões, no entanto, diferentes, porque o Ajax tem uma ideia clara de jogo. Apenas faltava um ou dois cortes, passes ou meter a bola num "congelador" para cumprir o seu conto de fadas.
Faltou instinto de sobrevivência ao Ajax. Sobrou uma girafa.
Faltou-lhe uma ideia clara de segurar um resultado. Tem mais futebol que o Tottenham, mas não tem o instinto de sobrevivência tático que, reagindo, Pochettino deu à equipa com um ponta de lança puro. Cada vez mais a arma do "falso 9" não pode ser vista de forma tão coletiva. Isto é, imagina-se sempre que para ele surpreender, tem de existir uma combinação de movimentos coletivos que, muitas vezes, anula o poder individual desse 9 de mentira. Por isso, Lucas foi um jogador tão diferente da primeira para a segunda parte. Passaram a jogar jogadores em posições de verdade. Nada era falso. Como não foi o Ajax que esta Champions nos deu, mas que o lado mais cruel do futebol nos tirou.