PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 - Muitas vezes, falo do futebol jogado em papel quadriculado. Acontece quando vemos aqueles jogos com, pretensamente, rigor táctico excessivo.
A sofisticação táctica simplificada pelos jogadores. De Sérgio Oliveira a Daniel Bragança, o futebol é sempre evolutivo tecnicamente.
Nem sempre, porém, essa metáfora de inspiração geométrica tem a conotação negativa que logo se imagina. Não se trata de representar os jogadores como peças num tabuleiro de xadrez, movendo-se nele (que, neste caso, seria o relvado) de quadradinho em quadradinho.
Leio a entrevista com Sérgio Oliveira sobre como hoje joga e verifico os registos de Daniel Bragança sobre como jogou, e prova-se como o bom futebol, no plano da táctica e da técnica, é mesmo propriedade dos jogadores com essa sensibilidade de geometria descritiva.
2 - Sérgio Oliveira fala das exigências dos princípios de jogo do 4x4x2 no FC Porto de Conceição e de como "o míster cobra ao metro, aliás, ao centímetro, porque não estava bem posicionado" e como isso tem um papel crucial na sua evolução como jogador.
Daniel Bragança atingiu, no jogo dos Sub-21 contra a Suíça, o recorde de passes num só jogo na carreira (115 passes) acertando 96% deles (sendo oito longos, esses todos certos) fazendo ainda cinco intercepções de bola.
Sérgio Oliveira joga agora, na maturidade dos 28 anos, como n.º 8 (mas no passado já jogou mais atrás, a pivô). Bragança, com 21 anos caídos do berço, jogou, neste jogo, a n.º 6 (posição que fez na formação) mas no Sporting tem agora entrado sempre para n.º 8. Ou seja, ambos têm bases de ver (e ler) o jogo de frente, subindo com ele ou fazendo-o avançar através deles. Constatamos, mais uma vez, como são os médios que melhor explicam o jogo.
3 - Não se trata de qualquer sofisticação táctica. Pelo contrário. É a simplificação do jogo. Tão pouco o poderio físico poderá impor-se nas disputas sem a pureza da inteligência técnica na... táctica, podendo, assim, desarmar-se qualquer adversário se depois no transfer para o colectivo este circular a bola com as alternadas velocidades e o critérios certos.
Sérgio Oliveira tem um lamento, "acho que podia rematar mais durante o jogo", mas ele não faz sentido porque nenhum contexto valoriza tanto o jogador como ser, em campo, essa fonte de jogo que é o passe e criação de linhas de... passe. Por isso, estes dois jogadores são hoje dos mais exemplares do campeonato pela cumplicidade da ideia de jogo que estabelecem, na prática, dentro das suas equipas.
Têm, como todos, altos e baixos no seu nível exibicional, mas convem ter presente que sem a expressão de jogo que eles representam, o conceito colectivo nunca será nada. O futebol, como provam estes dois jogadores no (seu) jogo, é sempre evolutivo.
Cruzamentos e botas
Vlachodimos decidiu mal a saída a um cruzamento e com isso deu o golo da vitória ao Sporting no dérbi. Mais do que a teoria da (falta de) qualidade em jogar com os pés, este lance terá sido mais decisivo para o tirar da baliza do Benfica.
Com Helton Leite, a equipa não melhorou no aspecto particular da relação entre botas e bola, a sintonia técnica em que os guarda-redes têm maior dificuldade de expressão e que sempre achei injusta para os julgar. Porque é noutro ponto onde verdadeiramente se avalia um guarda-redes. As saídas da baliza que, em rigor, dizem muito sobre a capacidade para tomar (ou não) boas opções e, pela forma como saem, com decisão ou hesitação, o poder de impor autoridade dentro da área.
Qual a melhor forma de julgar um guarda-redes?
Mesmo os melhores do mundo protegiam-se desse julgamento. Casillas, por exemplo. Ficava na sua zona de conforto da pequena área e tentava fugir a esse julgamento. Nenhum guarda-redes consegue, porém, esconder-se dele para sempre. Há momentos em que tem mesmo de o assumir. Como sucedeu a Vlachodimos. Julgar um histórico homem de luvas pelo seu jogo com os pés não faz sentido.