De Palhinha a Weigl
Corpo do artigo
1 - O reconhecimento das qualidades do futebol de Palhinha, a nível de fundamentos de jogo, representa muito sobre a conceção dominante que a posição nº6, a mais importante taticamente no futebol moderno, adquiriu na maioria dos modelos de jogo.
Palhinha não mudou a nível de características nestas últimas épocas, sobretudo quando se firmou como pilar do Braga, em sistemas que, com diferentes treinadores, assumem apenas dois médios de raiz. Não se tornou mais refinado no tão idolatrado "sair a jogar". Manteve-se, essencialmente, um pilar de equilíbrios, por trás da linha de circulação de bola, que, sem preocupações estéticas. Mais do que a passar, deixa-a ficar, no tempo certo, para o médio mais tecnicamente lúcido a sair. Melhorou foi os "timings" de pressão, nas basculações de compensação e sentido posicional. Não é, longe disso, um nº6 completo, mas pode ser um nº6 ideal para... completar a ideia de jogo duma equipa, no sentido de lhe dar um pilar para ela assentar, com bola (protegendo-a) e sem bola (dando referências para a recuperar).
2 - Olho os vários jogadores a ocupar a mesma posição nas melhores equipas do campeonato e repara-se que, em traços gerais, o protótipo de espécie é semelhante. Muda, depois, em especificidade, em função das características de cada um e do sistema (e modelo que o engloba). No FC Porto, Danilo baixa muitas vezes para ser um terceiro central ou sobretudo para ser um elemento pressionante de recuperação, mas quando Conceição opta por jogar (e sair) a "dois" nesse espaço, a equipa ganha outra personalidade com bola de frente para o jogo (embora perca, naturalmente, agressividade tática sem bola de recuperação): a chamada intensidade entendida como estar sempre em cima da bola (em posse ou não).
3 - O Benfica desde que perdeu o melhor Fejsa, perdeu quem melhor dava essa noção equilibradora (e com qualidade de passe) nesse lugar. Estava a gostar de ver Florentino a crescer nessa moldura. Não entendo porque travou. A ideia de jogo da equipa e o habitat característico dominador da maioria dos jogos que disputa, no entanto, não mudou. Por isso, Weigl, um jogador no oposto estilístico, daqueles que gosta de "sair a jogar" olhando para diferentes lados e tocar, acaba atropelado nos timing de decisão e velocidade de execução/circulação de jogo em que se vê inserido.
O problema não é dele. A sua qualidade tático-técnica é evidente. A questão está em querer fazer algo diferente (que nasce das suas características) dentro de um contexto de ideia de jogo que confronta dinâmicas-velocidades táticas totalmente desadequadas à sua interpretação dessa posição.
O Tondela é uma equipa média-pequena que está numa posição tranquila mesmo só ganhando um jogo em casa. A primeira tentação é vê-la como mais de contra-ataque do que a saber assumir o jogo
Jogar como se quer ou como se pode?
Leio uma entrevista com João Pedro, um nº8 de pressionar para jogar, e vejo como é importante uma equipa antes de decidir como quer jogar, decidir, vendo quem tem e o que competitivamente a rodeia, como... pode jogar. Trata-se de adaptar as ideias à realidade e condições.
O Tondela é uma equipa média-pequena que está numa posição tranquila mesmo só ganhando um jogo em casa. A primeira tentação é vê-la como mais de contra-ataque do que a saber assumir o jogo. Pode ser, vendo os seus avançados rápidos, mas onde João Pedro denuncia o princípio "jogar como se pode e não só como se quer" é ao dizer: "Tivemos de nos adaptar ao míster e ele ao futebol português, assim como ao contexto do Tondela na Liga. A tendência dele era assumir o jogo, mas contra muitos adversários não pode ser assim e temos de procurar mais as transições".
De início, Natxo Gonzalez queria, até com o meio-campo a "dois", assumir até partir o jogo, mas foi quando viu que assim perdia controlo nos espaços centrais que acrescentou um terceiro médio. Ganhou consistência de jogo e ficou mais equipa. No registo casa e fora não vejo só uma casualidade, mas um reflexo do "futebol de expectativa" que estas equipas são forçadas a preferir (mesmo não querendo).
Modelos
Tarantini: caminhar
Já não tem a disponibilidade física de antes, mas está intacto a ler o jogo e avançar-recuar-avançar (medindo os timings de o fazer e avançando menos para a equipa não pagar a fatura de ele não recuar a tempo). Procura pisar o maior numero de espaços possíveis de relva. Renovou e, aos 36 anos, vai continuar a jogar. Mais relvados para Tarantini pisar como coração do Rio Ave. Olho o seu trajeto e... só faltava um pedaço de relva para pisar: com a camisola da seleção. Um jogo que fosse.
Welinton: livre
Por entre este período de paragem, vírus, crise e lay-off, o Aves viu agravada a sua situação e os jogadores (os chamados "ativos") mais valiosos, o guarda-redes Bernardeau e, sobretudo, o avançado Welinton rescindiram com justa causa (salários em atraso já pré-pandemia). Os clubes têm falado num pacto para não irem buscar jogadores que "se aproveitem desta situação", mas isto é um caso diferente. Falo no Welinton porque é um belíssimo avançado que joga fácil em qualquer equipa do nosso campeonato. Veremos quem irá reparar melhor nisso. O futebol (e seu mercado) vai chegar ao ponto em que se irá ver o que as suas estruturas mesmo valem.
Petit: treinador
O jogador é quem melhor reconhece um treinador. Para Petit, ouvir Gonçalo Silva é a melhor prova do que vale e pensa: "Via as equipas dele como defensivas e sem bola. Aqui imprime mais qualidade e gosta de agressividade no bom sentido". Desmistifica a ideia de que só jogava atrás a morder. Tem um conceito preferencial de jogo diferente. O rótulo da raça tem comido a sua carreira, mas basta ver suas equipas jogar e ver o que é a diferença da ideia estrutural de jogo de meras opções conjunturais.