Jardim e Guardiola provaram que um pé esquerdo monumental supera a fita métrica e a balança. Não há desculpas
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Por falar em preconceito, ainda por causa de Bernardo Silva: ele foi vítima do meu. Quando despontou no Benfica (B), reparei naquele pé esquerdo, como toda a gente com o privilégio da visão, mas travei logo na balança, mais até do que na fita métrica. Era pequeno e muito leve, o pé também, mas sobretudo o Bernardo. Para cúmulo, Leonardo Jardim levou-o para a liga francesa, que é uma espécie de campeonato de decatlo. Não tive imaginação para tanto. Acabou essa época quase a convencer-me no Europeu de sub-21, mas a final tinha de ser com a Suécia, clichê do alto, bruto e espadaúdo. Bernardo desapareceu, literalmente, de fininho (e de baixinho) e a taça foi-se.
Entretanto, entra em cena Guardiola, um nadinha mais sabedor do que eu nestas coisas; Bernardo muda-se para o City e, em ano e meio, acaba várias jornadas com o registo de melhor recuperador de bolas da liga inglesa (uma espécie de campeonato de decatlo mais uma espécie de campeonato de estivadores). Já não é obrigatório encostá-lo à direita para o proteger dos cascos da manada, nem torcer sistemas para pôr um colega a ir ao choque por ele.
Ou seja, não é ficção científica que alguém pegue nos 170 centímetros e 54 quilogramas de Fábio Vieira, médio do FC Porto B (19 anos), mais no pé esquerdo a lembrar o do Bernardo, e introduza o conjunto no futebol do século XXI. Os sete golos e cinco assistências, contando já o que fez ontem na Seleção de sub-21 (contra os noruegueses, primos dos suecos), são bastante mais do que Bernardo tinha feito, por esta altura, na primeira época de sénior, sem querer entrar em comparações desajustadas. A missão é possível, aconselhável e vale o esforço. Desde que não seja ao quilo, nem ao megawatt de potência.
