PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
Corpo do artigo
1 Podem ser vistas como as equipas-intrusas num território que não é o seu. Vinda da autoproclamada República da Transnítria, território encaixado entre a Moldávia e a Ucrânia, o Sheriff Tiraspol é a mais exótica participação de sempre na elite da Champions (talvez só equiparada ao Astana do Casaquistão, em 15/16).
Por entre uma atmosfera incrível onde ainda resistem estátuas de Lenine, velhos tanques do exército vermelho e ruas com engarrafamentos de Vespas, aparece, porém, uma equipa que joga bom futebol.
O seu apuramento, suportado num investimento da maior empresa que explora desde postos de gasolina, supermercados, stands de automóveis até operadoras de telemóveis, logrado após eliminar históricos como Estrela Vermelha e Dínamo de Zagreb, tem na base um onze com o mesmo traço babilónico de nacionalidades que cativou pela forma empolgante como atacou, sobretudo nos jogos em casa.
2 Num esquema de 4x3x3, treinado pelo metódico ucraniano Yuriy Vernydub, segura-se defensivamente com uma forte dupla de centrais (com o colombiano Arboleda ao lado de Dulanto, peruano que passou a época passada pelo Boavista) e um médio-defensivo ganês, Addo, 21 anos, que é uma promessa pela forma como equilibra o coletivo e trata a bola na saída para o ataque, conduzida no corredor central pelo luxemburguês Thill (o "8 tático" do onze) e o experiente grego Kolovos (como o "10" quase segundo avançado).
Para, porém, atacar com perigo em velocidade pelas faixas, está uma dupla de laterais brasileiros: Constanza, à direita, 22 anos (vindo há três épocas do Botafogo) e Cris Silva, que pode jogar em ambos os lados, 27 anos (vindo há cinco do Volta Redonda). Sobem bem e apoiam os extremos que desintegraram o Dínamo Zagreb (3-0), onde explodiu Adama Traoré, extremo direito do Mali. Tem um poder de arranque físico impressionante e frieza a finalizar em frente ao guarda-redes.
Junto com o colombiano Castañeda (perigoso a fazer diagonais da ala) e o ponta-de-lança romeno Luvannor, 31 anos (resgatado ao Al Wahda dos Emirados), formam o perigoso trio ofensivo da equipa (que tem na baliza o seguro grego Athanasiadis, contratado esta época ao AEK).
3 Em termos puramente futebolísticos não existe, portanto, para quem segue as profundezas do futebol internacional, nenhuma grande surpresa por ver este onze do Sheriff atingir a fase de grupos da Champions tendo em conta que, no apuramento, seguiu a estrada dos campeões das mais escondidas ligas europeias, num longo trajeto onde começam 36 equipas campeãs para, no play-off final apenas sobreviverem 8 (sendo qualificadas quatro: que para além deste Sheriff, foram o Malmoe, da Suécia, Young Boys da Suíça, e Red Bull Salzburgo, da Áustria).
Algumas dessas equipas, com património futebolístico europeu histórico, acabam, na sequência das eliminações em diferentes estados, por ir caindo para outras provas da UEFA, o que leva a que pela primeira vez na história surja numa fase de grupos duma competição europeia uma equipa de Gibraltar: o campeão Lincoln Red Imps (perdeu, nas pré-eliminatórias, com o Cluj na Champions e com o Slovan Brastslava, na Liga Europa, mas logrou entrar na nova Conference League ao vencer o Riga FC, campeão da Letónia que fizera o mesmo percurso).
4 Gibraltar vive assim o sonho utópico das grandes noites europeias (vai defrontar PAOK, Slovan e Copenhaga), feliz com os golos de Liam Walker, médio-centro ofensivo herói, num onze que tem há sete épocas um central português, Bernardo Lopes (jogando ao lado do mítico Roy Chipolina, central-lenda do futebol gibraltino) que passou pelos sub-19 do Benfica, Louletano e Marítimo B. Agora, vai jogar contra a elite da Europa no Victoria Stadium, campo que divide com todas as outras equipas do campeonato de Gibraltar!
De Tiraspol a Gibraltar, estes sonhos de futebol são o que, nestes tempos de filtros e imagem, ainda conseguem manter vivo o imaginário de quem quer conhecer a Europa através dos mais profundos e escondidos locais do mapa futebolístico. Continuarei essas viagens. "Enquanto houver estrada, a gente vai continuar".