TEORIAS DO CAOS - A opinião de José Manuel Ribeiro, diretor de O JOGO.
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1 - A geração de chumbo da Itália abateu a geração de ouro da Bélgica. Gostava de tirar uma conclusão "resultadista", visto que pareço ter sido arregimentado à força nesse lado da guerra imaginária que está em andamento, mas o romance entre italianos e belgas dá para os dois lados (salvo seja).
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No Euro"2016, um onze muito parecido com o atual (Lukaku, De Bruyne, Hazzard) levou uma lição de "cattenacio" de Antonio Conte [0-2]. No Euro"2020, a Bélgica decidiu que faria ao contrário (resultara com Portugal uns dias antes) e perdeu na mesma. Por Itália, destacaram-se Insigne e Immobile, já trintões e membros da geração intermédia que arrasta a vergonha do Mundial"2018 falhado (daí a geração de chumbo).
As conclusões filosóficas são o oxigénio do comentador desportivo, mas os detalhes abalam-nas. Esse passado em comum talvez explique a retração belga, como o facto de os dois centrais italianos (Chiellini e Bonucci) terem um historial de deixar o tanque Lukaku (Inter, treinado por Conte) a seco faz da Itália uma seleção com um grau de dificuldade acrescida para a Bélgica. O futebol nunca é tão simples como soa num estúdio de televisão ou escrito a três colunas.
2 - Mais eventuais conclusões filosóficas, agora com base em informações de órgãos internacionais. O "El País" sustenta que seis das oito seleções qualificadas para os quartos são as que melhor defendem, nas contas da agência Driblab. Escaparam-se por entre as malhas Suíça e Ucrânia. As outras são as que menos jogadas de perigo e remates enquadrados com a baliza concedem aos adversários. Um ponto para os "resultadistas"? Gostava, mas também não.
Seleções como Inglaterra, Itália ou Espanha defendem porque atacam e atacam porque defendem. Nos casos italiano e inglês, a primeira linha defensiva é a bravura dos avançados, traduzida numa pressão permanente e implacável sobre os defesas; no terceiro, todo o conceito do "tiki taka" se baseia em ganhar a bola (ou seja, defender) um segundo depois de a perder e em mantê-la pacientemente (defender com bola) o tempo que for preciso até ser criada uma brecha. Querer atacar sem ter estas capacidades ou impingindo elementos (como Ronaldo) de comportamento oposto seria arrojado, sim. Nisso concordamos.
3 - Outros dados, agora do site "transfermarkt": França, Portugal e Alemanha estão entre as quatro seleções com maior média de jogos, por jogador, na época 2020/21. Intromete-se no terceiro lugar a Inglaterra e a dupla Espanha/Itália aparece só depois da Holanda. Esta reflexão "filosófica" já faz mais sentido, sem ser definitiva. Quatro das cinco seleções mais desgastadas foram eliminadas de um campeonato marcado por intensidade e agressividade invulgares. Essa é uma diferença importante, no caso de Portugal, para o Euro"2016. Dispor de mais jogadores em clubes de elite (nessa altura, havia apenas Ronaldo e Pepe) tem um custo. Itália desapareceu cedo das provas da UEFA e o Real Madrid, semifinalista da Champions, não está representado na seleção espanhola, onde só há dois jogadores do Villarreal, vencedor da Liga Europa. Em território da pandemia, talvez tenha importado. Se tentar compreender Fernando Santos é resultadismo, diria que vale meio ponto.