PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Fintando na chuva, chapinando na água (como as crianças gostam), existem jogadores que parecem jogar sem olhar para o estado da relva, do tempo ou do tamanho do adversário (ou jogo).
Se há jogador que brinca/joga a esse nível nos nossos campos, é Corona, espécie de "tequila de futebol" na definição, como no remate "sombrero subtil" que fez, num dilúvio, mesmo na cara de um gigante galo de Barcelos.
O FC Porto teve de ser uma equipa coletivamente séria para alguns jogadores poderem "brincar decisivamente" assim com a bola. Otávio é, noutro nível de influência, por pegar no jogo e na bola (as duas coisas ao mesmo tempo, o que é muito diferente de tantos ditos criativos que só pegam na... bola), outro exemplar de encarar o jogo. A versão do "4x3x3 de Conceição" agarrou, assim, o jogo de início e ficou a ganhar.
2 Gostei de ver Pedrinho de regresso ao futebol português (depois de alguns estranhos meses inóspitos no Riga da Letónia). A maior competitividade do nosso futebol deve muito à presença destes jogadores do topo da chamada "classe média" em que se situam. O Gil cresceu muito com ele (mais um japonês elétrico, Kanya) num meio-campo sólido-rotativo, onde para além das passadas de Lucas Mineiro, existe um dos melhores médios silenciosos com "capacete de obras tático" a trabalhar nesse sector deste campeonato, o "operário" Claude Gonçalves. Falta, depois, um bom ponta-de-lança para rematar.
Com a chuva a cair cada vez mais, o FC Porto começou a taticamente "chapinar" demais. Conceição sentiu-o e lançou, por isso, Sérgio Oliveira para tentar resgatar o meio-campo em "obras" com um trio de galos de "picaretas tático-técnicas" em punho.
3 O futebol é complexo demais para ter tantos jogadores iguais (no sentido de que os treinadores pedem quase a mesma coisa à maioria do que estão no onze). A diferença entre eles no jogo real para além do plano do treinador é o mais maravilhoso que o futebol pode ter.
Uma das maiores riquezas deste FC Porto está nas variáveis de estilo, eficácia e influência, que podem decidir um jogo em função das diferenças individuais. E o mais engraçado é sentir isso num jogo sem o contraste de maior poder muscular de Marega e antes com o sentido de "como segurar o jogo" de Sérgio Oliveira (para ajudar Grujic, Uribe e Otávio). Terá sido o jogo em que Conceição mais sentiu a necessidade de meter mais médios e encher o onze deles. Assim foi. Um quarteto que foi o "guarda-chuva" tático indicado para segurar um resultado.
"Canário intruso"
É sempre bom quando o futebol subverte, em campo, a lógica simplista do resultado previsível. As competições de Taça são o melhor território para "brincar" com essa ordem. Em Espanha, esse lado trocista atingiu o máximo, com equipas da III Divisão a eliminar gigantes, como o Real Madrid. Até Zidane, no banco, não conseguiu esconder um "sorriso de crocodilo" (como que dizendo "como é possível isto") quando sofreu, a acabar, o golo que ditaria a eliminação do seu Real no campo pequeno e sintético do anónimo Alcoyano. Era o lado romântico de "virar o mundo de pernas para o ar" que só no futebol acontece.
Há muito que o futebol português não tem fenómenos semelhantes. Nem me lembro de algo, proporcionalmente, com igual dimensão. As meias-finais da nossa Taça terão habitantes "naturais" mas, entre eles, um merece esse "sorriso trocista". O Estoril, os "intrusos canarinhos". Joga tão bem que já dizem que é "equipa da I Liga". Tem um treinador que percebe os jogadores que tem (de Crespo a Harramiz) e tem direito, agora, a querer mais. Esta Taça já tem o seu nome próprio.