PASSE DE LETRA - Um artigo de opinião de Miguel Pedro.
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1 Preocupados com a vida e os sucessos desportivos dos nossos clubes, por vezes esquecemo-nos de olhar para o que está a acontecer ao futebol, ao nível mundial.
Cada vez mais a ideia de clube, com os seus bairrismos e as suas idiossincrasias de conversa de café, parece esbater-se, quando vemos, por exemplo, o que aconteceu recentemente com o Newcastle: a Premier League autorizou a aquisição de 80% do capital social do clube por um fundo saudita, cujo presidente é Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita.
O Newcastle transformou-se, assim, em mais um "clube-estado", à semelhança do PSG (detido pelo Dubai) e do Manchester City (detido pelos Emirados Árabes Unidos). A lógica propagandística destes estados de base oligárquica, que usam o desporto como mecanismo de limpeza da sua imagem externa, mas cujos parâmetros democráticos e de cumprimentos dos direitos humanos mais básicos são, no mínimo, duvidosos (este príncipe saudita é o tal que está acusado de mandar assassinar um jornalista que escrevia coisas que ele não gostava), implicam uma dinâmica expansionista, própria de que tem muito capital acumulado e muita soberba. A título de exemplo, o dono do City é, também dono do Mumbai City (Índia), do Sichuan Jiuniu (China) , do New York City (EUA), do Girona (Espanha), do Melbourne City (Austrália),do Yokohama F. Marinos (Japão) , do Torque (Uruguai) e do Lommel SK (Bélgica). Mais cedo ou mais tarde, esta tendência devoradora chegará a Portugal, pelo que urge, na medida do possível, tomar a consciência de que, a acontecer isso, o futebol português ficará numa situação bem mais complicada, na qual o "cartão do adepto" poderá transformar-se em "cartão de súbdito".
2 Desconheço se António Salvador é leitor deste espaço de texto que assino regulamente. Mas até parece que leu a última crónica, na qual escrevi sobre os perigos de gerir uma SAD (no que respeita às decisões sobre a gestão desportiva) tendo como motivação os impulsos emotivos e pouco ponderados dos adeptos. É que, logo após a crónica, Salvador veio explicar que Carvalhal é para ficar, pelo menos, até final da época. E será nessa altura que as contas se farão e que as conclusões se tirarão. Uma medida sensata, até porque, sejamos racionais, a época, não estando a ser a que desejaríamos, está longe de estar a ser má e todos os objetivos propostos estão totalmente em aberto. Por isso, saúdo esta decisão e a sua publicitação, que vem acalmar os ânimos e os impulsos demissionários de alguns adeptos mais ruidosos. É nos momentos em que a equipa está mais em baixo que a união dos adeptos tem que ser maior. Porque sempre a ganhar, qualquer um sabe ser adepto...