O futebol é aquela lixeira a céu aberto que nos força a fechar a janela do carro quando lá passamos. Quem lá tem de viver e trabalhar que se amanhe. Foi o recado das elites para o Governo, digerido Vieira
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Passado tempo suficiente para que os sucos gástricos atuassem e a digestão do processo Cartão Vermelho se fizesse, já se pode dizer com segurança que o futebol perdeu.
Não perdeu por se ter sabido o que já se sabia: que é, fora da relva, um batalhão de parasitas em regime de bar aberto. Perdeu porque, mais uma vez, o mundo exterior interrompeu a sua atenção para com as coisas ditas sérias, olhou para ele demoradamente e só viu o que está farto de ver.
O meu amigo e colega David Pontes despejou-lhe em cima um editorial do Público: "O jogo feio." O artigo está atulhado de verdades e concentra, com rigor, as conclusões que o mundo exterior tirou do episódio Luís Filipe Vieira sobre o futebol. O futebol é aquela localidade dos arrabaldes por onde não costumamos passar e que tem uma lixeira a céu aberto. Duas vezes por ano, lá calha seguir essa estrada e dar pelo cheiro e reparar nas ratazanas e fazer cara de nojo e concluir, como fez o David, que aquilo "é feio".
Tudo menos reparar que mora gente mesmo ali, milhares e milhares de cidadãos, com empregos variados, profissões bem cotadas no mundo inteiro, vidas dedicadas àquela geografia e sem hipótese de fecharem a janela do carro até chegarem à freguesia seguinte.
Tal como, no exemplo da lixeira, não passaria pela cabeça de ninguém sugerir que os governantes se mantenham longe dali, em vez de resolver o problema como é obrigação deles, no futebol também não deveria passar. Mas passa. O que nunca passa, não sei porquê, é que o tal universo podre de comissionistas e desvios de dinheiro é a cara chapada daquele dos Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Manuel Pinho, Ricardo Salgado, Granadeiro, Sócrates e Armando Vara de que nunca se cansam de nos contar novas, e aterradoras, histórias. Igualmente sem fim à vista.