A palavra chave é "fácil". As acusações a Vieira expõem, sobretudo, um país fácil de enganar, por mais óbvias e escancaradas que sejam as manobras.
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No final de 2019, o Benfica propôs-se comprar as ações da SAD dispersas por investidores individuais por um valor mais de 80% acima da cotação que elas tinham no mercado.
Vieira alegou amnésia (amnésia, como numa comédia de Hollywood!!!!) para não ser ouvido no processo e-toupeira e conseguiu ser depois absolvido pela juíza de instrução por não ter sido ouvido.
As transações do género na Bolsa de Lisboa raramente chegavam aos 25%. Da operação, adivinhavam-se dois acionistas particularmente beneficiados: o presidente Vieira (quatro milhões de euros) e o antigo sócio José António dos Santos (11 milhões de euros). Vários adeptos denunciaram as incongruências evidentes das múltiplas explicações oferecidas e, mesmo assim, a OPA só não avançou porque a CMVM a impediu.
O episódio demonstra três coisas: basta que a bola entre para desaparecer a massa crítica nos clubes; a que sobra é impotente para combater mesmo as manobras mais descaradas; e a massa crítica também não existe nas direções e administrações, porque Vieira não avançou com a OPA sozinho. Nos gabinetes, aquele negócio não ofendeu o olfato de ninguém - e talvez isso venha a interessar lá mais para a frente. Como nos bancos aqueles empréstimos às empresas de Vieira, apesar das dimensões, não motivaram perguntas, dúvidas, nada. Sabendo disto tudo e de mais um cabaz de suspeitas, o primeiro-ministro correu a pôr a assinatura na comissão de honra de Vieira em setembro último.
A detenção do presidente do Benfica também versa o futebol, mas é principalmente sobre um país indiferente, apático, de moralidade flexível e inteligência auto reprimida a quem se pode contar qualquer patranha sem acionar alarmes. Vieira alegou amnésia (amnésia, como numa comédia de Hollywood!!!!) para não ser ouvido no processo e-toupeira e conseguiu ser depois absolvido pela juíza de instrução por não ter sido ouvido. Muitos dos que choraram ontem, toda a tarde, acharam graça nessa altura (se calhar, até António Costa), mas já então era do país inteiro, sem exceção, que alguém se estava a rir.