PLANETA DO Europeu - Opinião de Luís Freitas Lobo
Corpo do artigo
1 - O slogan cantado "o futebol regressa a casa" provoca sensações profundas. Regressa, é verdade, ao seu local de origem mas ao longo de mais de um século viajou por todos países que o mudaram.
Rebeldes, os herdeiros vikings não o podiam receber pacificamente. Foi com essa aura mítica que, no meio do vulcão de Wembley, senti cada voo/defesa impossível de um guarda-redes da dinastia Schmeichel.
A Dinamarca levou este Europeu para uma dimensão sobrenatural, um estado de alma vindo do coração de Eriksen até um onze combativo e com talento que, sem medo, desafiou o poder inglês a partir dum remate-dinamite (resgatando os anos 80) de um craque caído do berço, Damsgaard.
Ou seja, neste momento de regresso a casa, o futebol trazia uma dimensão tática muito superior nas exigências que colocava à seleção inglesa. Southgate, o selecionador, já tomara consciência disso desde que assumira o seu comando. Deu-lhe um realismo defensivo como nunca tivera e, com essa capacidade (montando uma defesa a cinco, de três centrais quando o adversário cresce), aprendeu a segurar resultados. Não teve dilemas estéticos, após fazê-lo como sistema frente à Alemanha, em montá-lo para resistir ao assalto final dinamarquês.
Antes, conseguira virar o jogo através das duas faces do jogo: a mobilidade coletiva e o jogador no um-para-um.
2 - Na primeira, a ação do melhor ponta-de-lança do mundo a jogar da... frente para trás. Harry Kane. No momento em que o meio-campo ofensivo inglês não conseguia abanar o duplo-pivot defensivo dinamarquês, Hojbjerg-Delaney, ele começou a recuar para vir pegar a bola atrás, nesse espaço e, num movimento que tantas vezes faz (também no clube), rodar e fazer um passe de rutura a pedir a desmarcação diagonal doutro avançado vindo da faixa (movimento que fez, correspondendo a esse passe, Saka).
A segunda, na travessura serpenteada de Sterling, a desafiar os maiores gigantes, como são os três centrais vikings, sobretudo a montanha Vestergaard (com a qual chocou tantas vezes), até num desses seus "zig-zags" tentar furar para, forçando a passagem, cavar o penálti que deu a vitória.
3 - Nessa altura, a Dinamarca já redesenhara o seu 3x4x3 para 5x3x2 de granito defensivo, metendo mais um médio-defensivo, Noergaard, e tirando o dinamite-criativo, Damsgaard. Com essa opção, recuou muito e assumiu a batalha tática desde uma trincheira. A Inglaterra aceitou, então, o desafio e assaltou o "castelo viking" com mais criativos. Após o da finta (Sterling), o do passe (Grealish) e o da jogada (Foden). Foi quando senti que o futebol voltava mesmo a casa. A casa que o trata com mais alegria, habitada por duendes de fintas, tabelas e invenções com bola.
O melhor remédio para a ansiedade
Detetara-se a intenção tática de reforço defensivo de Hjulmand em meter mais um trinco (e passar para 5x3x2), como, ao mesmo tempo, vira-se a intenção ofensiva de Southgate em dar maior poder criativo ao seu meio-campo ofensivo (ao meter Grealish no lugar de Saka, mantendo sistema) mas quando, no início do prolongamento, lançou também Foden nesse 4x2x3x1 que também tinha Henderson a meio-campo (saindo o nº 6 clássico, Rice), sentiu-se que então o treinador tinha ido às raízes para tentar ganhar. Como? Entregando o jogo aos jogadores.
Nessa altura, Southgate mais do que mudanças táticas, dava esse poder aos jogadores e, entre eles, às espécies que, com bola, mais inventam por si só na técnica inventiva que têm mais do que outros. E assim foi. O respeitar desta sensibilidade imaginativa de jogo que alguns jogadores possuem é o melhor antídoto para a ansiedade quando esta ameaça tomar conta de uma equipa.
Claro que nada o impediu de, depois, para o segurar, resgatar a mais dura muralha defensiva, mas neste Euro das seleções e seus treinadores, tem sido sempre esta noção da realidades cruzadas (entre o equilibro do ecossistema entre pica-pedras e criativos) que tem feito as melhores equipas. E, claro, o melhor futebol (equilibrado) do torneio.