VISÃO DO SOFÁ - Uma opinião de Álvaro Magalhães
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Luis Enrique disse, antes do segundo jogo com o Arsenal, que tinha o objetivo de oferecer aos adeptos uma forma atrativa de jogar, como se fossem ao cinema ou a um espetáculo. A forma atractiva está bem; mas ver um jogo como espectáculo, como cinema... Os nossos ouvidos rangem quando os treinadores remoem todos os lugares-comuns futebolísticos que existem, para nada dizerem, mas quando lhes dá para filosofar o resultado ainda é pior.
Também há disso, sim, espectadores, sem vinculação sentimental às equipas em jogo. Foi assim que a maioria de nós viu, por exemplo, as meias-finais da Champions e Liga Europa, apenas buscando um bom filme, com um bom enredo e bons intérpretes, de preferência com um final imprevisível. Nestes casos, em que o coração está ao largo, puxamos pelos mais fracos, ou pelos que estão a perder, para que persista o interesse do argumento, ou lá se vai o filme, o espectáculo. Aliás, o Barça-Inter foi uma eliminatória que podia ter sido realizada por Hitchcok, com reviravoltas surpreendentes e suspense até ao fim. O PSG-Arsenal foi mais como um daqueles filmes banais em que no princípio já sabemos como vai acabar.
Porém, quem sustenta o jogo não são espectadores passivos, são os adeptos. Para eles, o jogo não é um espectáculo inócuo, é um caso demasiado sério e grave, que muito os afecta. Disse Bill Shankly, um escocês que treinou o Liverpool entre 1959 e 1974: “O futebol não é uma questão de vida ou de morte, é mais importante do que isso”. E eu pergunto: os adeptos do Benfica e do Sporting, que ontem viveram intensamente o dérbi lisboeta, foram à Luz ver uma sessão de cinema, para descontrair, ou foram, com uma tensão insuportável, participar de um combate fatal: matar ou morrer?
Porém, as novas gerações de treinadores e dirigentes, incluindo os que têm nas mãos o destino do jogo e estão a fazer o que podem para o transformarem noutra coisa, ignoram a natureza do jogo, o essencial, só têm olhos para o espectáculo, o negócio, o que, além do mais, é um insulto aos adeptos, que amam e sofrem de modo exacerbado.
No Manchester United-Lyon, para a Liga Europa, o realizador da transmissão televisiva ilustrou esta ideia mostrando-nos uma criança em lágrimas, na bancada, num doloroso pranto, quando o Manchester perdia por 4-2. Depois, mostrou a mesma criança, louca de alegria, exultando nos braços do pai, quando o seu clube ganhava por 5-4. Em seis minutos, foi da agonia ao êxtase. O adepto é aquele que sente e, por isso, é profundamente afectado pelos acontecimentos, o espectador é aquele que apenas vê (como se fosse ao cinema, sim) e sai do jogo ileso, seja qual for o resultado. Foi o meu caso, que vi os tele-filmes das meias-finais da Champions, no sofá, a comer pipocas. Já os adeptos do Inter e do PSG subiram ao céu dos vivos, enquanto os do Barça, que já saboreavam a vitória, aos 85 minutos, e os do Arsenal, que, depois do estrondoso derrube do Real Madrid, já se viam como novos campeões, caíram num abismo negro e sem fundo. Foi como no cinema? Não. Foi como na vida, de que o futebol é uma representação estilizada.