Com os olhos bem abertos
O "jogo rural" no Luxemburgo exigia tratar bem... a terra. A seleção soube ir cavando taticamento para decidir tecnicamente.
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1 - O passe de Bernardo Silva com olhos abertos (os dele e os da... bola) e a receção dócil, com o exterior da bota, orientando o remate, de Bruno Fernandes provam que, na realidade, não existem maus relvados.
A Seleção conseguiu ultrapassar as dificuldades impostas pelo relvado
Ou melhor, maus terrenos para quem sabe mesmo jogar futebol! Jogava-se pelo meio das batatas e tufos de terra e relva, mas, mesmo com a bola parecendo um coelho com medo a querer fugir de todos, há momentos em que se percebe que não são todos iguais. A qualidade técnica (com visão do jogo dos espaços, mesmo os mais distantes entre uns e outros) emerge, para quem a tem em forma de poema com objetividade, até debaixo de água.
2 - Até esse momento, o jogo rural estava a ser difícil, porque o onze do Luxemburgo estava claramente a tratar melhor a terra. Metia até, também, algum carinho nos toques de Vincent Thill, um n.º 10 canhoto, e Gerson Rodrigues, forte e habilidoso a partir da esquerda. Ameaçaram e chegaram a criar dúvidas na nossa cabeça quanto ao pior que poderia acontecer.
Mas não; após meia hora de susto abrandaram a intensidade (sentiram o desgaste da pressão que fizeram até então) e, com o jogo mais calmo, surgiu mais espaço na terra para termos a bola. Foi quando soubemos falar-lhe tecnicamente ao ouvido, sussurrando palavras maiores de passe e remate. A aliança de passe-golo entre dois médios que no início tentavam procurar o melhor local para se colocarem.
Bernardo Silva apareceu a n.º 10 (camisola e posição) num 4x1x3x2 que tinha Bruno Fernandes mais solto a começar a n.º 8 e depois a descair na esquerda em posse, ficando Pizzi mais aberto na direita. Como circular a bola era impossível, os jogadores moveram-se... demais e perdeu-se a melhor noção para segurar a bola (não tanto para a posse).
3 - Melhorámos na segunda parte, com Bruno Fernandes mais posicional na esquerda. A entrada de Moutinho foi o estabilizador da rotação do meio-campo.
O período em que maiores dúvidas senti foi quando o jogo ficou demasiado posto em sossego e tive receio de que a nossa seleção, ao baixar a intensidade de jogo, também estivesse a baixar demais a sua e, num lance com uma bola atirada para a nossa área, poderia surgir um ressalto que nos complicasse tudo.
Não aconteceu. Pelo contrário, foi na outra área que a bola apareceu outra vez aos pulos e, quando dois terços dela já teriam entrado (no que seria o golo de Jota, na sua estreia na Seleção), surgiu Ronaldo, que, com o bico da bota, meteu o terço que faltava.
Rimo-nos todos, aliviados, Ronaldo, a equipa abraçada, porque estava confirmado o Euro, e também Jota, apesar de no fim ter confessado: "Gostava de ter sido eu a marcar." Para mim, foste, para a história não. Ponto final.
A Argentina já gosta de si!
A Argentina que jogou contra o Brasil mostrou que encontrou o ponto certo para se tornar mais competitiva: reconhecer as fragilidades atuais e, aceitando como está hoje o seu futebol, reforçar um posicionamento tático sem bola que, podendo dar a sensação de tornar a equipa mais defensiva, torna-a sobretudo mais compacta enquanto bloco.
O centro da ideia está no meio-campo, partindo do duplo pivô Paredes-De Paul (este a sair mais para o jogo) ao qual se junta, vindo de uma ala, Lo Celso.
Nessa altura, com Messi a n.º 10, a recuar para pegar no jogo, Scaloni como que monta um quadrado a meio-campo que passa a controlar espaços em antecipação. Foi o que fez contra o Brasil e assim manietou os médios de Tite (Casemiro-Arthur, depois Fabinho e Paquetá), entrando depois Coutinho, que melhorou a equipa mas sem recuperar os espaços interiores, dominados pelos argentinos também com largura suficiente para fazer duas linhas de quatro (4x4x2 a defender).
Com a defesa sempre completa e os laterais subindo em apoio, esta Argentina não deslumbra como equipa, mas está no caminho taticamente certo para, em face das indefinições de grupo que viveu (e vive), se reforçar competitivamente.
MODELOS
Lisakovich: a descobrir!
Entrou poucos minutos contra a Alemanha e a forma como tocou na bola, ambidestro na forma como dizia com a direita e rematava com a esquerda, fez logo levantar as orelhas. Os toques seguintes foram passes de qualidade com visão de jogo (até um de "letra" a abrir jogo) e deixou vontade de o ver no futuro. Pode estar aqui um belo jogador em potência. Chama-se Vitali Lisakovich, tem 21 anos, é bielorrusso e está há dois anos a jogar na Croácia, no Rudes e, hoje, no NK Varazdin.
Finlândia: é a técnica!
O apuramento da Finlândia confirma o emergir de mais uma seleção vinda do frio. O estilo nórdico tem progressivamente descido à relva, com melhor qualidade técnica. Penso por isso que, mais do que progresso tático (disciplina de posicionamento e dimensão física, sempre tiveram), é um progresso competitivo assente no crescimento da técnica dos seus melhores jogadores. Neste onze finlandês, vê-se desde o duplo pivô Sparv-Kamara até ao goleador Pukki, passando pelos franqueadores Lod e Soiri. Almas "suomi"!
Inglaterra: código 22!
Esta será a seleção inglesa com menos pressão das últimas décadas. Já no Mundial"2018 foi assim e, desta forma, sem as estrelas do passado a quem pediam sempre títulos, este onze de Southgate encontrou um sossego inglês invulgar para crescer. E os bons jogadores crescem de confiança e qualidade. É assim que estou a gostar de ver o nascimento (todos com 22 anos) de um 10 moderno (recupera e cria), como Maddison; um n.º 9 esguio com desmarcação e técnica, Abraham; e um lateral-esquerdo muito bom a jogar por dentro, Chilwell.