PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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1 - O sucesso, numa equipa, é uma alquimia que se disseca através das funções interligadas das suas hormonas futebolísticas. Um caos organizado que se transforma num caso indomável (independente do estilo que adquira) em que só no final, fora das análises jogo a jogo, é possível avaliar as verdadeiras bases que levaram essa compatibilidade no onze a atingir o sucesso.
No confronto FC Porto-2018 de Marega versus FC Porto-2022 de Taremi, qual ganharia?
Os três títulos de Conceição em cinco épocas no FC Porto seguem uma evolução das espécies que suscita fazer o paralelo entre a muscular de 2018, de Marega, Soares e Danilo, e a tecnicista de 2022, de Taremi, Evanilson e Vitinha.
É tão atraente como utópico pensar nestas equipas a defrontarem-se e imaginar qual levaria a melhor. Nos bancos, o Conceição de 2018 contra o de 2022, estilisticamente falando na forma de jogar de cada uma dessas equipas.
O treinador, na essência emocional, é o mesmo. Na sensibilidade para o jogo, é outro. Ou seja, não só acompanhou a mudança da tipologia dos jogadores como evoluiu com ela no crescimento tático que, época após época, as suas diferentes equipas foram revelando.
2 - É tentador colocar esse confronto como um duelo entre o físico e a técnica. É redutor no plano tático/ideológico, mas traduziria, claramente, a maior diferença de impressão digital entre uma e outra.
Não se trata de saber qual é a mais forte. Trata-se de perceber que no trabalho de reconstrução identitária da "genética-Porto" para o qual Conceição foi contratado, o sucesso dessa missão só seria possível seguindo esta linha de prioridades.
O "onze carro de assalto" era imperioso para uma primeira época que visava combater o iminente "penta encarnado". O FC Porto estava então descaracterizado e necessitava de um regresso às bases em termos de caráter. Nesse sentido, uma equipa de sobrolho carregado fez mais sentido (entenda-se possibilidades de sucesso) do que outra, na linha das anteriores, com maior fineza com bola mas sem mostrar os dentes ao adversário no momento decisivo.
3 - É impossível provar, mas duvido que um jogador de trato fino-técnico como Taremi tivesse sucesso na equipa de 2018. Da mesma forma que um de trato rude-muscular como Marega não encaixaria, por natureza, nesta de 2022.
Conceição soube ler os dois mundos e, entendendo-os futebolisticamente, soube fazer essa metamorfose com sucesso, ao ponto de hoje olharmos para a "roda-baixa" de Vitinha e Pepê ou o lado dócil de Taremi e Fábio Vieira e descobrir, ao mesmo tempo, o caráter indomável que faltava na origem (onde, recorde-se, já existiam criativos, de Brahimi a Corona, mas sem igual poder de expressão com a faca da técnica nos dentes).
Esta última metáfora parecerá uma contradição mas é, no fundo, a junção entre dois tempos que, juntos, fazem as obras completas de Conceição na (re)construção do novo Dragão.
Um jogador que rompe estilos
Se tiver de apontar um jogador que, atravessando estas cinco épocas de Conceição, foi fundamental para o sucesso da metamorfose digo, sem pestanejar, Otávio.
Adaptou-se a todos os momentos e estilos. Quando Conceição chegou ele ainda era um n.º 10 incompreendido que jogava pouco (e, quando jogava, não participava muito). Com Conceição, sem perder a qualidade técnica que tem, tornou-se um soldado com intensidade tática capaz de ser o protagonista da transformação de sistemas que a equipa faz durante o jogo, arrancando da direita para depois jogar por dentro (fazendo o sistema variar entre o 4x3x3 e o 4x4x2 ou vice-versa).
No início, para fazer essa transformação, Conceição metia o músculo de Marega a vir desde a faixa e a juntar-se depois ao n.º 9 mais fixo (passando assim de 4x3x3 para 4x4x2). Era, porém, uma troca posicional sem sofisticação. Vivia da explosão (mais física do que pensada) de Marega. Agora, todas as transformações nascem essencialmente do pensamento e, nesse sentido, Otávio tornou-se no cérebro da equipa para que esse processo transformador funcione de jogo para jogo (ou no decorrer dele).
Mais do que um jogador, Otávio é a personificação da equipa na suas expressões multidimensionais. Um craque tático com a técnica para todos os fundamentos de jogo.