"Centralização dos direitos televisivos é um caminho para tornar a liga mais equitativa"
DOSSIÊ - A propósito do trabalho sobre as desigualdades do futebol português, o cronista Miguel Pedro deu nota da sua opinião na edição especial do 34.º aniversário de O JOGO.
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Nos últimos anos, o Braga tem travado sistematicamente uma luta desigual, lutando por uma presença nos lugares cimeiros do futebol português, tendo menores recursos financeiros, menor influência mediática e menor peso institucional do que os três habituais e crónicos ditos "grandes" do futebol português. Temos sentido melhor do que ninguém o que é tentar lutar de igual para igual com Porto, Benfica e Sporting, mas com armas tão desiguais. Nós de fisga, eles com mísseis nucleares.
É certo que, nestes últimos anos, algumas vezes as fisgas têm acertado onde os mísseis têm falhado e temos vencido algumas batalhas desiguais. Vêm à cabeça uma espécie de adaptação da frase de George Orwell, no célebre e simbólico livro sobre a igualdade, "Animal"s Farm": "no campeonato português todas as equipas são iguais, mas algumas são mais iguais do que outras".
Nos últimos anos, algumas fisgas têm acertado onde os mísseis têm falhado e temos vencido umas batalhas desiguais.
Benfica, Porto e Sporting são mais iguais do que as outras: são mais iguais para a Imprensa, para as televisões, para as instituições e para os adeptos. Esta situação tem reflexos no fraco índice competitivo do nosso campeonato, no baixo nível técnico de algumas equipas e, principalmente, na fraca afluência que, de um modo geral, existe nos estádios portugueses.
O problema nem é estatístico: é certo que somos só a 12.ª liga europeia com melhor assistência, mas nestas médias os três grandes são verdadeiros outliers estatísticos. Se retirássemos os três clubes com mais assistências de todas as ligas europeias e fizéssemos de novo a média, Portugal seria o penúltimo. A questão não está na média de assistência dos três habituais grandes (que é bastante boa), mas na média das outras equipas todas. Se queremos salvar a pouca competitividade do nosso campeonato, teremos de fazer qualquer coisa, teremos de reequilibrar as desigualdades.
Sabemos que o Benfica terá sempre mais adeptos e maior capacidade de receita do que o Braga, da mesma forma que o Braga terá sempre mais adeptos e maior capacidade de alocar recursos do que o Tondela. Essas são as desigualdades normais. No entanto - e funcionando o fenómeno do desporto e do futebol num contexto capitalista, em que a desigualdade faz parte intrínseca do sistema e é o seu motor -, mesmo os teóricos capitalistas têm a consciência de que os poderes públicos devem intervir no sentido de atenuar as desigualdades estruturais do sistema capitalista (ainda que nem sempre concordem sobre qual o grau ou densidade desta intervenção pública).
Transpondo este quadro conceptual para o fenómeno do futebol português, afigura-se-me que os poderes federativos e associativos deverão olhar para estas desigualdades para as tentar atenuar, em prol duma maior competitividade dos campeonatos. Uma das formas de atenuar tais desigualdades passa por uma distribuição dos recursos financeiros mais equitativa. Algumas ligas europeias optaram, como é sabido, pela centralização da negociação dos direitos televisivos: este é um caminho, entre outros, para tornar mais equitativa a liga profissional de futebol.