PASSE DE LETRA - Um artigo de opinião de Miguel Pedro.
Corpo do artigo
Há poucos dias, ouvi o ministro Pedro Nuno Santos lamentar-se sobre a demissão do presidente da CP, Nuno Freitas.
A razão da demissão (impotência face às inúmeras restrições legais e orçamentais, que retiram eficácia à gestão) traz à colação a muito discutida diferença entre a gestão pública (empresas públicas, autarquias, institutos públicos, etc.) e a gestão privada (as empresas de um modo geral).
Ser gestor público é muitíssimo mais complicado e difícil do que ser gestor privado. A ideia weberiana de que quanto maior for a burocracia e a normativização, mais racional e transparente será a gestão, já há muito que não convence. A forma como o princípio da legalidade continua a ser entendido nos setores público e privado faz toda a diferença na respetiva gestão: no setor privado, o princípio da legalidade deixa o gestor fazer tudo, exceto o que a lei proibir; no setor público, o gestor só pode fazer o que a lei permite expressamente. Daqui se vê a enorme diferença entre as duas tipologias gestionárias, que só mudará quando o princípio da legalidade for flexibilizado. Mas, falando de futebol, a gestão de uma SAD, sendo privada, tem uma marca distintiva: na SAD, a dimensão emocional e, até, irracional, é uma constante da gestão.
Vemos os milhões que são pagos pela transferência de jogadores, sem que seja possível, sequer, a sua amortização contabilística, pois a curta vida profissional de um jogador não o permite. O juízo e o sucesso de um gestor de uma SAD depende em grande parte de fatores irracionais e aleatórios, tais como o golo que é anulado, a bola que bate no poste ou lesões de jogadores importantes. Por isso, o gestor da SAD deverá ser, tanto quanto possível, imune aos fatores irracionais, sendo um dos mais determinantes a opinião dos adeptos, amplificada nas modernas redes sociais e nos fóruns digitais. O que se passou, durante a semana, com Carlos Carvalhal é ilustrativo: após o empate no jogo contra o Santa Clara, os adeptos (não são muitos, é certo, mas são ruidosos) logo inundaram os espaços opinativos com pedidos de mudança de treinador e declarações solenes de incompetência. Mas, na quinta-feira, perante a vitória bem justa contra os dinamarqueses do Midtjylland, tudo mudou: dei-me ao trabalho de comparar algumas opiniões e muitos dos que vociferavam pela demissão de Carvalhal já defendiam que foi o "dedo" do treinador que mudou o jogo.
A verdade é que, no jogo europeu, as substituições e as alterações táticas operadas para a segunda parte resultaram em pleno e a exibição na segunda metade foi, de facto, muito boa. O plantel do Braga é recheado de bons valores, mas não tem conseguido estabilizar, face às sucessivas lesões. Sabemos bem que, para acalmar os ímpetos irracionais dos adeptos, só as vitórias funcionam, mas, apesar de tudo, não devemos nunca pensar que tudo está bem quando ganhamos (ou que, por perdermos, tudo está mal). Mas a verdade é que, no final da época, é de vitórias que se moldam os objetivos de um gestor de uma SAD. E, consequentemente, a vida de um treinador...