PLANETA DO FUTEBOL - A análise de Luís Freitas Lobo.
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1 - A importância das últimas palavras tende a ser desvalorizada por quem as profere, porque a ameaça do fim leva a um descontrolo que, irracionalmente, resvala para os sentimentos e expressões mais básicas.
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É um erro, porque, são essas as palavras que, na maioria das vezes, mais ficam na memória, coladas como rótulo de quem as diz. São, em rigor, aquelas que mais revelam o que verdadeiramente valeram (a verdade para além das circunstâncias) todas as outras ditas antes.
Lage caiu nesse alçapão de forma demasiado fácil para quem tinha antes cultivado uma aura quase professoral no discurso (conferências ou "flashes"). Doze jogos (mais uma pandemia pelo meio) e tudo mudou.
O maior perigo para ele nem é, no entanto, ser despedido porque passou a perder. Isso acontece a todos os treinadores (os melhores inclusive). É, antes, sair preso à imagem de fracasso global, por perder numa época "cheia de expectativas", ficando desvalorizada a vitória anterior quanto entrou a meio "sem expectativas".
2 - Nada afasta a obrigatoriedade de analisar o que se passa (passou) nesta. Ao longo dos jogos, equipa viveu sempre presa a uma única ideia de jogo, sem criatividade coletiva para criar novas vias táticas. Está a jogar num "piloto automático" que a leva, jogo após jogo, a bater com a cabeça num muro.
O erro primário de Lage é claro: sem jogadores como Jonas e, sobretudo, o elixir do segundo avançado diferenciador que foi João Félix, insistiu em querer "clonar" jogadores totalmente diferentes para jogar de forma igual. É impossível.
Procurou resolver um problema coletivo pelas individualidades (trocando jogadores nas posições mantendo o sistema inalterado) em vez de procurar o oposto: resolver pelo coletivo o problema de já não ter as tais individualidades que faziam a diferença e ganhavam os jogos sempre da mesma maneira.
A "síndrome de Lage": manual sobre as palavras e a atitude que um treinador deve ter perante um iminente despedimento
3 - O mais grave: Lage tem de saber ser treinador na hora da vitória e na do despedimento. Esse é o maior segredo/prova de um grande treinador. Todos. De Cruyff a Mourinho. De Pedroto a Jesus.
Ganhar (estar a ganhar) é fácil. Perder e sair por cima é só para os grandes. Ao ponto de, no dia seguinte, mesmo após o fracasso do despedimento, lembrarem-se deles a ganhar. E, assim, voltarem a apostar neles, noutro local, com essa aura e convicção.
Só com o poder do controlo das últimas palavras e gestão com o ego inchado certo, isso é possível. Em vez do "animal ferido" que morde desde o fundo da toca, um treinador tem, nestas alturas, de continuar, mais do que nunca, a ter o mesmo queixo erguido de quando ganhou. Lage, pelo contrário, está a puxar pelo pior das reações humanas de um treinador.