PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Muitas vezes, ficamos com a sensação que a alguns jogadores (só) falta correr mais uns metros para fazerem uma boa exibição.
A intensidade (concentração permanente em cima da bola/jogo) será sempre relativa, mas para os treinadores existem momentos do jogo em que esses "metros a mais" são indispensáveis, sobretudo quando deles depende o equilíbrio defensivo coletivo de toda a equipa (essencialmente no instante imediato à perda a bola).
É impossível dissociar este "pensamento master" da forma do FC Porto de Conceição jogar e correr (as duas coisas ao mesmo tempo) com e/ou sem bola (as duas coisas alternadamente). Defender... atacando a bola. Comer espaços em antecipação e invadi-los com a rapidez na profundidade.
O jogo na terra/relva revolta do Jamor exigia mais uma manifestação desse modelo. Do outro lado, uma equipa que cresceu numa plantação defensiva semeada desde inicio da época por Petit (ao ponto de fazer deste Belenenses "sem teto próprio", a atual terceira melhor defesa do campeonato). Assim, o jogo dificilmente fugiria às paisagens duma "batalha tática" com muitos duelos e bolas divididas.
2 Neste contexto, ver Felipe Anderson e Fábio Vieira no onze inicial portista tornava-se um supremo desafio a dois jogadores tidos como "competitivamente leves", de intensidade baixa na dimensão físico-tática do jogo. Cada qual vinha desde a sua faixa procurando zonas interiores junto à entrada da "caverna defensiva azul a 5". Cumpriam rigorosamente o posicionamento sem bola, os "metros agressivos de jogo" que lhes faltavam era a atacar, com bola. Mais do que invadir espaços, Fábio Vieira quer sobretudo... ter espaços. Quando passou a ter mais pausa-passe e menos corrida, começou a destrocar jogo mas esta não é a essência de movimentos para a equipa criar perigo.
Conceição manteve a fórmula Anderson-Fábio até aos limites temporais do jogo e meteu Corona-Luis Díaz, mais o "carro de assalto" Marega. Nessa altura, porém, a plantação de Petit já tinha criado raízes a defender junto à sua baliza. Os ataques de Corona e Díaz causavam até vertigens nessa luta conta o tempo e o muro azul. Até que, de repente, o tempo parou.
3 O jogo depois do incidente com Nanu pareceu disputado num vazio no tempo e no espaço. Foram longos minutos de suster a respiração. No vale do Jamor, ouvia-se até o bater dos corações. A cabeça dos jogadores portistas tinha voado para longe enquanto o corpo continuava em campo. Tentou ainda o golo mas era quase impossível sentir o jogo, a bola ou a pele. O empate estava traçado no destino. Um terrível e infinito arrepio final.
De Ryan Gauld a Marco, calcanhar e borracha
Há jogadores que desfazem num piscar de olhos o debate entre físico e talento. O que é, afinal, o futebolista. O maior perigo que existe é, nesse pestanejar, perder um rasgo de magia desse exemplar, tal a rapidez tecnicista com que ele executa. Penso nisso ao ver o "golo-Picasso" de Ryan Gauld ("duende escocês" de 1,68 m e 62 kg) rematando, na passada, com o calcanhar, e desviando a bola sorrateira para o poste mais distante de Marco, guarda-redes do Santa Clara (o mesmo que, com pouco mais de 1,80 m não teria, em tese, centímetros para estar numa baliza de "top", mas faria, depois, uma defesa de impulsão e reflexos como se fosse feito de borracha).
Qualquer atributo muscular que falte a Gauld, ele irá suprir com a astúcia e a sabedoria imaginativa com que brinca com o jogo. Existem deficits que transcendem o ser humano que, atleticamente visto, está atrelado ao futebolista. Aqueles que de físico pouco estilizado mas que, por si, nos fazem ver um jogo à espera de os ver com a bola. O que seria o futebol (história e, continuo a sonhar, futuro) sem eles?