Miguel Laranjeiro, presidente da Federação de Andebol de Portugal, em nova crónica para O JOGO.
Corpo do artigo
Já me tinham avisado. Não quis acreditar.
Já me tinham alertado. Não quis ir por aí.
Entrou em discussão pública o PRR - Plano de Resiliência e Recuperação. Fui ler. Para os potenciais interessados são 143 páginas de ideias, projetos, programas, componentes, pilares. Todos importantes e relevantes.
Convém saber que estamos perante um documento que irá dar as orientações para os próximos cinco anos. Daí a importância do compromisso, feito em nosso nome e que será entregue em Bruxelas dentro de três semanas.
Li e procurei. Até fui pelo motor de busca. Desesperei porque não queria acreditar. Basta. Não há uma palavra sobre "Desporto". Mentira. Há uma referência. Já lá chegaremos.
O leitor acredita? É melhor acreditar.
Podem dizer que não se aplicam aqui referências ao desporto. Vamos então por partes e lançar um olhar mais micro sobre o documento.
O 6.º Pilar das Iniciativas Emblemáticas da União Europeia é referente às "Políticas para a próxima geração, crianças e jovens, incluindo educação e qualificações". Pois o Desporto não se enquadra plenamente aqui? O Desporto não deve integrar uma política para a próxima geração, ou desistimos mesmo dela? E as qualificações, os skills que o desporto dá ao nível da sociabilidade, da formação, do respeito, da integração social, entre muitas outras, não é valorizado nas políticas para a próxima geração?
Mais à frente, no ponto 2.5 fala-se num "Plano que integra a perspetiva de género". E o Desporto não podia ser incluído aqui como um espaço privilegiado de igualdade de género, a par da igualdade de oportunidades? O que mais pode contribuir para a igualdade de género do que o Desporto? Digam lá. O que passou na elaboração do PRR para esquecer esta dimensão?
Umas páginas a seguir, no ponto 3 e na Componente Saúde, é textualmente afirmado que "atualmente, o sistema de saúde português enfrenta importantes desafios associados à evolução das necessidades em saúde e ao aumento das exigências e expectativas da população". O Desporto é um fator essencial de combate a um conjunto vasto de doenças e da sua antecipação ao longo da vida. Isto na semana em que a OMS (Organização Mundial de Saúde) é taxativa na necessidade da promoção pelos países da atividade física dos seus cidadãos. Documento aliás publicado no sítio da DGS, a entidade nacional com responsabilidade na área da saúde. Essa mesma em que está a pensar. O país é o mesmo, o discurso é que não condiz.
Chegamos à já anunciada referência ao Desporto. Está integrada no ponto da "Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência 2021-2025". Ponto importante, onde é referido a necessidade de "Dinamizar a inclusão através do desporto, cultura e lazer". É a isto que se resume o Desporto no PRR. Recordo que é o documento mais importante que Portugal apresenta para os próximos cinco anos. Tão só.
Continuando a leitura do documento chegamos à "Componente 4", em que se fala das "áreas metropolitanas", que "continuam a ter bolsas de pobreza e exclusão social que fraturam a sociedade e constituem vulnerabilidades e fragilidades relevantes na sua coesão e no conjunto do território nacional". Basta estar ligeiramente perto das atividades dos clubes, dos cuidados de treinadores e dirigentes, para saberem que o Desporto tem uma relevância brutal para minimizar problemas, ultrapassar barreiras, conciliar vontades e chegar mais longe da inclusão social. Afinal o que todos queremos.
Pois esqueçam, que o documento não tem uma palavra sobre esse papel. Uma desilusão.
A divulgação do PRR foi na terça-feira de Carnaval. Talvez ninguém leve a mal, mas isto é para os próximos 1.825 dias do nosso futuro. Provavelmente muitos responsáveis por esta decisão podem já não estar no ativo para serem questionados.
No plano espanhol é defendido que o Desporto é uma das 10 alavancas para a recuperação económica do país. É verdade que nas primeiras páginas do PRR é referido que "o reforço da resiliência económica, social e territorial do país assume particular relevância enquanto resposta de primeira linha na transição da estabilização económica e social para a recuperação". Problema? Nem uma palavra para o papel do desporto nessa recuperação. Na importância económica do Desporto.
Todas as organizações internacionais estão a tomar posição sobre a importância do Desporto no contexto da pandemia. A ONU, a OMS, o Parlamento Europeu, entre outros, exortaram os países a disponibilizar apoios financeiros para diminuir as consequências que se vão instalar a médio e longo prazo nos jovens e no Desporto. Tudo isto me faz questionar o papel do Desporto para os decisores nacionais. Para onde queremos verdadeiramente ir, já que nos afastamos da Europa, qual "jangada de pedra", perdida no meio de um "atlântico" de horrores. Todos os que estão no Desporto, direta ou indiretamente, mereciam mais. Muito mais.
Como está em discussão pública, terá contributos. Guardarei esta versão para comparar com a que será entre na UE, mas deixo desde já um sentimento: nada mudará no que diz respeito ao Desporto.
Para terminar. No final do preambulo do PRR a frase forte: "Por um Portugal mais justo e resiliente, mais sustentável e mais competitivo. Vamos Recuperar Portugal, construindo o Futuro". É pena é que seja ... sem o DESPORTO.