As transferências que salvam clubes e estropiam jogadores
<strong>TEORIAS DO CAOS - </strong>Os jogadores vivem em ilusões que têm de saber desfazer, a menos que só tenham como objetivo o dinheiro rápido.
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Na semana em que o FC Porto pôs em marcha irrevogável a operação Fábio Silva/mais-valia máxima (já explico), O JOGO revela uma proposta da FPF para que seja defendido, junto do Governo, um benefício fiscal para os portugueses sub-23. Uma medida assim pode fazer a diferença para um futebol mais salubre, mas nunca sem que os jogadores comecem a usar a cabeça e evoluam para uma espécie de "homo futebolensis superior".
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Dou exemplos de duas transferências, imprescindíveis para os clubes que as fizeram e, logo à partida, péssimas para os jogadores que nem imaginaram a hipótese de as recusarem: João Mário para o Inter de Milão e André Silva para o Milan. Com alguma boa orientação, não teria sido difícil para nenhum dos dois perceberem que iam dar um passo em falso (escrevi-o sobre André Silva). Os clubes de Milão estavam ambos em decadência profunda, os treinadores eram fracos, as contratações ilógicas e o estilo italiano muito complicado para quem mal tinha experimentado o futebol internacional. É claro que podia ter corrido bem, mas as probabilidades eram ínfimas.
Outras vezes, é ao jogador que falta autoconsciência e sobra ilusão pré-fabricada. O Bayern seria sempre uma escolha segura, mas Renato Sanches partiu de Portugal, aos 18 anos, enganado por si próprio e pela atmosfera benfiquista. Num Benfica que chegou ao meio da época órfão de ideias, Renato tinha a bola nos pés umas irrepetíveis vinte vezes por jogo. Poderoso como é, conseguia sempre usar duas ou três dessas ocasiões para dar nas vistas. Na Alemanha, as vinte bolas passam a quatro, talvez três, e Renato descobre demasiado tarde que aqueles seis meses de Benfica o tinham desviado para um caminho errado e deixado sem ferramentas para procurar o verdadeiro. Tornara-se o médio que nunca seria.
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Mais inteligente (supondo que admitiu dizer "não") foi a decisão, aparentemente pouco ambiciosa, de Rúben Neves, ejetado para a segunda divisão inglesa. Só que as contratações, o projeto e o relacionamento com o treinador Nuno Espírito Santo, mais o estatuto de suplente crónico no FC Porto, pintavam um quadro diferente, de risco calculado. Todos os outros jogadores mencionados acabaram por descer até ele, para equipas de dimensões semelhantes; André Silva no Eintracht Frankfurt, João Mário no Zénit e Renato Sanches no Lille.
A não ser que o objetivo seja o dinheiro rápido, qualquer jogador preocupado com a carreira precisa de conhecer o futebol jogado, o futebol falado e o futebol administrado. Precisa de saber o que lhe vai ser pedido no novo clube, que futebol lhe convém, que concorrência vai ter e se a gestão é confiável. Também precisa de conhecer a Imprensa e de saber duvidar do que lê e ouve sobre si próprio, um cancro fatal no cenário português, onde dúzias de maus comentadores traçam cenários mirabolantes a partir de resumos televisivos de dez segundos ou mesmo (estou em crer) com base apenas em opiniões alheias.
E devem também saber o fundamental, tantas vezes deturpado pelos clichês e falta de raciocínio: a formação é dinheiro, não são boas intenções. Mesmo para a contabilidade, em particular para a fórmula de cálculo das "mais-valias" de uma venda, a transferência de um jogador da casa é muito mais interessante, ainda por cima estando os portugueses tão bem cotados no mercado. As comissões estão nas compras de estrangeiros, sim, mas a higiene financeira, quando ela é imposta a partir de fora, está nas boas vendas. Os 125 milhões de euros da cláusula de rescisão de Fábio Silva são uma premonição; importa que ele perceba que não são uma fatalidade.