PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 O objetivo é fazer fluir o jogo e a equipa sair desde trás atravessando o campo com qualidade e decisão. Durante muito tempo, esta capacidade consagrou o chamado "box-to-box", um n.º 8 de longo curso que, de área a área, o transformava essencialmente num médio transportador.
Com a crescente militarização do meio-campo com médios a pressionar (ou esperando o embate) esse n.º 8 físico de transporte tornou-se num elemento taticamente a abater ao ponto de, após tantas feridas nesse percurso, ficar com o decorrer do jogo quase morto.
2 Esta análise global tem tradução particular no meio-campo dos grandes do nosso campeonato.
O caso da dicotomia de estilos Matheus Nunes-Daniel Bragança no Sporting é o melhor exemplo de confronto que o próprio treinador sente para escolher um ou outro. Na mesma posição, fazem coisas diferentes e assim dão à equipa saídas diferentes que se podem aplicar melhor a um jogo do que a outro. O próprio Rúben Amorim admitiu-o em Vizela, justificando não jogar Matheus Nunes porque aquele seria um jogo com menor espaço para esse tipo de investidas individuais de transporte em posse (face às características do adversário) e mais de toque/passe em espaços mais curtos de Daniel Bragança, fazendo assim a equipa avançar.
Em termos conceptuais, o perfil-Bragança encaixa no que deve ser o melhor médio: tocar muitas vezes na bola mas tê-la o menos tempo possível. Matheus é diferente, pois tem o primado da condução.
Por isso, vejo o primeiro como a personificação da dinâmica coletiva a partir da visão duma individualidade, e o segundo como uma sub-dinâmica que, embora passasse a ter primazia através dos ditames físicos modernos, tem, depois, perante problemas de espaços fechados, mais dificuldade em encontrar respostas tático-técnicas diferentes.
3 No fundo, para resolver este problema, todas as equipas devem melhorar um aspeto: movimentos de apoio ao portador da bola.
É o que Pedro Gonçalves, recuando um pouco no terreno, sabe fazer para conectar com Bragança.
No FC Porto, o crescimento tático de Vitinha, igualmente desde a posição n. º8, tem muito desta mesma relação. O jogo começa nele mas, à medida que avança e entra no último terço, é o apoio que lhe é dado por jogadores como Fábio Vieira, Otávio ou até Taremi (recuando como segundo-avançado) que lhe abrem mais superfícies de passe (e não de mera continuidade de transporte de bola).
É, em contraste, o que falta ao Benfica, quando João Mário, n.º 8 "box-to-box" de passe, sente, após fazer sair o inicio de construção, a falta desses apoios em zonas mais adiantadas de definição (de ultimo passe). O movimento seguinte, perante este impasse, é cair na vertigem do jogar rápido. É quando as equipas perdem totalmente a noção da velocidade certa que o jogo exige.
A posição "8" e seus amigos
O ideal, pensando nas diferentes expressões do "box-to-box" é criar uma dinâmica coletiva em que este elemento seja um elo de ligação entre diferentes fases de construção e de definição. Para isso, a equipa necessita evitar que os seus elementos se divorciem (sobretudo os do mesmo setor, o meio-campo e os que entram naturalmente nele).
Ou seja, é tão tentador como importante aproveitar o poder do médio transportador para queimar linhas com uma impetuosidade individual superior, mas ele tem de ter atrás, como âncora, o pivô (como é Uribe ou Palhinha) e depois um avançado que saiba jogar de costas (dar apoios) e o recebe, taticamente solidário, quando ele chega à frente com a bola.
Fazer isto sem sobrepor posições não é fácil. No caso portista, Fábio Vieira ou Otávio (até pela facilidade como caem mais em largura) sabem respeitar (e perceber) essas iniciativas de Vitinha. Têm os os chamados "timings" táticos de entrada no jogo.
Isto é, a opção pelo n.º 8 mais de transporte ou pelo n.º 8 mais de passe não tem que significar que um, o primeiro, separa a equipa, e outro, o segundo, une a equipa. Ambos podem, com as tais sub-dinâmicas certas complementares de outro jogador, ser peças de expressão coletiva. Saber tudo o que o envolve é a chave.