O futebol não são só três, nem sequer 18 clubes. O futebol é uma imensidão de campos com muitas casas e jogadores à volta
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1 - Vai voltar o futebol. Ou, vai voltar uma "outra espécie de futebol". Não sei o que vai voltar no fim de maio. Sei o que não vai voltar. Controlar 18 equipas, 9 jogos por jornada, 90 no total, à porta fechada (e tudo que implica para sua realização) com distanciamento social, é, financeira-logisticamente, perfeitamente gerível. Será mais difícil controlar um pequeno café em que as pessoas irão querer amontoar-se para ver esses jogos. O futebol tinha financeiramente de voltar.
O dos grandes e daqueles que (acreditem porque não pareceu esta semana) jogam o mesmo campeonato que eles. Mas também precisava o da II Liga, oficialmente profissional. O controlo desse mesmo numero de equipas/jogos seria até, com a estratégia certa de localização, operacionalmente mais acessível e urgente para esses clubes. Descendo na escala do nosso futebol, o problema continua, cresce e agrava-se.
O Campeonato de Portugal é mesmo uma "terra de ninguém"
2 - Atenção, a partir desta linha deixei o futebol das primeiras páginas. Vou das "stories instagram" sobre o negócio que volta para o futebol das balizas com redes rasgadas que irá permanecer mudo. O negócio não chega tão longe, mas, surpresa, a bola chega! E muitos jogadores e clubes com ela.
O Campeonato de Portugal é mesmo uma "terra de ninguém". Pode-se atirar de helicóptero um monte de notas para cima de cada clube. Não resolve nada sem um plano estruturado, falado, pensado. O futebol não é uma elite de apenas três, nem sequer 18 clubes. O futebol é uma imensidão de campos de futebol com muitas casas à volta. Os jogadores tanto estão nesses campos como nessas casas. Os grandes com piscina e a correr no jardim e os os pequenos com banheira e a olhar pela janela dum T2 (que bom, se tiver varanda).
Sempre gostei de ser um combatente de "causas perdidas". São as mais justas. Na vida e no futebol.
3 - Tudo normal, portanto. Vemos sem-abrigo a dormir nas entradas de prédios e, deixando uma moeda, seguimos o nosso caminho. Por que seria diferente o futebol? Claro que fico, pela paixão e profissão, entusiasmado e aliviado, com o regresso "in vitro" da I Liga. Nunca, porém, essas "orelhas em pé" à espera do dia 30, farão deixar de olhar para tudo o que está à volta: a imensidão do resto do mundo com redes rasgadas e bola parada.
Não há nada para festejar. Só para registar e seguir em frente. Com respeito por quem, grande ou pequeno, gato gordo ou magro, está ao nosso lado. Não vou colar nenhum calendário na parede e ir riscando os dias como os presos numa cela até ao dia 30. Vejo futebol todos os dias, desde jogos de Ligas do Chile ou Dinamarca até grandes campeonatos, jogos sub-21 e divisões secundárias. O meu futebol tem muitos rostos e nenhum é maior do que o outro. Sempre gostei de ser um combatente de "causas perdidas". São as mais justas. Na vida e no futebol. Continuarei.
Na berma do precipício
O motor financeiro foi decisivo (e bem) para ativar a I Liga. Teria de ser também para a II liga. E por aí abaixo. Por exemplo, clubes que investiram mais para subir no Campeonato de Portugal podem fazer o mesmo na próxima época? Difícil, tirando investimentos privados que possam continuar essa aventura num tempo imprevisível.
Quando tivermos força, temos de dar um passo... atrás!
Não consigo pensar na resolução dos problemas tratando a "ponta do iceberg" quando, em tudo na vida, a origem dos problemas (e sua resolução sustentada no tempo) está sempre nas bases. Sucede o mesmo nas nossas vidas. Empurramos com a barriga os problemas financeiros do dia-a-dia. As grandes empresas, afinal, fazem o mesmo. Só essa razão explica que apenas três semanas pós-pandemia (atenção, três semanas, não meses) já quase todas as atividades/estruturas do país tinham entrado em colapso. Nenhuma pandemia provoca isso em tão pouco tempo. As gestões desastrosas (e danosas) do passado, sim.
Agora estamos na berma do precipício. Nos próximos tempos, temos de nos equilibrar para não cair. E quando tivermos força, darmos um passo... atrás. Cuidado com os passos em frente.