Jogadores estrangeiros dos campeonatos da Ucrânia e da Rússia dificilmente entrarão nas competições da Europa: timing e verdade desportiva continuam a ter que ser levadas a sério
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A FIFA, que meteu os pés pelas mãos no início da guerra provocada pela Rússia na Ucrânia, ao não sancionar de imediato as atividades internacionais de clubes e seleções do país agressor, saiu-se esta segunda-feira com uma medida que encheu títulos de jornais e engajou internautas nas redes sociais, mas que poucos efeitos práticos terá para os que pretende proteger: jogadores estrangeiros de clubes dos dois países em conflito.
A não ser que tenha mais alguma carta na manga, a inclusão por via contratual desses futebolistas em períodos finais de campeonatos profissionais poderá transformar-se num atentado à verdade desportiva. Imaginem a "salada de grelos" se um dos grandes sacasse craques ao Shaktar Donestk ou ao Zenit e os outros grandes não o conseguissem. Já para não falar da concorrência desleal que seria dar oportunidade aos que têm mais recursos financeiros por contraponto aos que foram honestos no esforço para as previstas duas janelas de mercado.
Gosto mesmo muito pouco de oligarcas e autocratas. Mas gostaria ainda menos que as minhas ações, mesmo que por vingança e revanchismo, fossem autocratas e desrespeitadoras do Direito internacional
Por outro lado, pegue-se no exemplo da liga portuguesa - a nove jornadas do final - e contabilize-se um par de dias para decidir a realização de uma assembleia geral para alteração dos regulamentos, uma dezena de dias para a fazer e meia dúzia de dias para a validação e implementação formal de uma decisão que teria de ser, imagine-se, unânime entre os nossos emblemas. Mesmo que isso começasse a acontecer ontem, estaríamos em meados de abril e, conforme a diretriz da FIFA, esses futebolistas só poderiam atuar fora dos seus clubes de origem até junho. Ora, os nossos campeonatos profissionais terminam em maio, pelo que nem uma mão cheia de jogos faria qualquer jogador que aqui chegasse pela via proposta. É, por isso, de admitir que se trata de uma medida que pode ter efeitos apenas em campeonatos como o brasileiro, japonês ou norte-americano, que ainda nem começaram ou estão nos seus inícios.
Porque a emoção retira espaço ao bom senso, sobretudo nestes cenários de guerra sempre muito dados à dicotomia do Bem e do Mal, nenhuma liga profissional se pronunciou imediatamente sobre a medida, nem que fosse para explicar a sua inexequibilidade. Devem fazê-lo hoje, em coro, através da European Leagues.
A mais realizável posição da FIFPro - sindicato internacional dos jogadores de futebol, que se resume na proposta de libertação imediata dos vínculos laborais dos jogadores estrangeiros na Rússia, soa a vingança e a resposta na mesma moeda. Seria uma pesada sanção, mas eu, como europeísta convicto, dou-me muito mal - eu e a minha consciência - com políticas que ferem o Direito e a Justiça.
Gosto mesmo muito pouco de oligarcas e autocratas. Mas gostaria ainda menos que as minhas ações, mesmo que por vingança e revanchismo, fossem autocratas e desrespeitadoras do Direito internacional. Deve ser por isso que me vejo ao lado dos valores da Europa e espero que isso me continue a distinguir dos que, mesmo por contestação às autocracias e a outras ditaduras, agem de forma ditatorial e autocrata.