As diferentes expressões da arte de defender
Do grupo de "brasileiros" do Milan ao quarteto de aço do Arsenal
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1 - Olhamos para trás e procuramos no passado as melhores referências para explicar o que é a perfeição aplicada ao futebol. Nunca será fácil um percurso tão longo. Os italianos sempre foram a meca das ideologias defensivas perfeccionistas mas, nessa busca a tendência é parar num momento com um tipo de jogadores (e de jogo) diferente de todas outras referências que lhe podemos encontrar.
Penso no quarteto Tassotti, Baresi, Costacurta, Maldini, que fez a base recuada do grande Milan de Sacchi entre os anos 80/90. Ouço Baresi a falar dessa defesa e quando espero um tratado de estética prática diz simplesmente que "não, havia melhores, nós éramos mais como um bando de brasileiros!".
Claro que, nesta afirmação, Baresi brinca com o estilo tecnicista, no gosto de ter a bola e forma elegante de a passar, que todo esse grupo tinha, mas dentro desse estilo estava uma cultura táctica de marcação "à zona" que, na época, rompeu com a marcação ao "homem" que fazia a fama e glória da escola italiana mais tradicional.
2 - A inteligência em dar um passo em frente de forma sincronizada e colocar os adversários fora-de-jogo era então quase um bailado de veneno táctico para os avançados contrários. Toda a equipa, em bloco, acompanhava a defesa nesse momento e respectivo movimento que tinha o lateral Tassotti como líder da ordem para esse avanço. Colocado de perfil para com o quarteto tinha a percepção e visão perfeitas para perceber o momento certo para o fazer. Todos lhe obedeciam.
Era um bailado defensivo mas, para a escola italiana pura, a referência de "melhor defesa" será outra. A da Juventus de início dos anos 80 e base da Itália de Bearzot no Mundial"82: Cabrini, Gentile (implacável marcador individual, como sentiram, na pele e no osso, Maradona e Zico), Collovati ou Bergomi (os únicos de Milão) e Scirea, líbero elegante que jogava de forma catedrática na organização do sector e saída de bola.
Juntos, escreveram um tratado defensivo da era moderna mas que já entrava num conceito de "zona mista" porque a meio-campo desapareciam as marcações individuais e surgia a "zona". Era, assim, um processo defensivo que incorporava diferentes escolas, cruzando tendências.
3 - O conceito da "melhor defesa" salta, porém, fronteiras italianas e, nos anos 90, encontra no Arsenal feito na origem por Graham e herdado por Wenger, a maior referência: Lee Dixon, Martin Keown, Tony Adams, Nigel Winterburn. Em 98/99 apenas sofreram 17 golos em 38 jogos!
Era uma defesa de aço, a antítese brasileira de que falava ironicamente Baresi. Essa defesa do Arsenal, chefiada por Adams, tinha raízes no jogo britânico. Crescera a combater o jogo mais direto e de cruzamentos. Muito forte no jogo aéreo e nos duelos, ganhava quase todas bolas divididas através do lado mais combativo e velocidade com que atacava a... bola e os espaços.
Era o tipo de defesa em que os centrais tinham mais lesões nos dentes do que nas pernas. Contava-se mesmo que se nesse tempo fôssemos pela rua e passássemos por alguém de 1,90 m. sem dentes nem marcas na cabeça, o mais provável era ser um defesa-central. Uma imagem quase de cartoon mas que traduzia, com ironia, a fisionomia do estilo britânico.
4 - Com o fim desta geração, Wenger foi introduzindo um estilo mais tecnicista de "sair a jogar" e, apesar da intenção do princípio da construção desde trás, nunca mais o Arsenal teve uma defesa tão potente e segura como aquela da corte de Tony Adams.
Em Itália, haverá sempre bons defesas porque saber defender faz parte da sua cultura prioritária de jogo. Do mais elegante Nesta ao mais tradicional Cannavaro, campeão do mundo e Bola de Ouro 2006, até ao presente Bonucci e Chiellini que, mesmo sem o último Mundial, continuam a honrar a "dinastia azzurra". A evolução do estilo será sempre um upgrade em continuidade, nunca uma ruptura. O respeito pela história é intocável.