PONTAPÉ PARA A CLÍNICA - Um artigo de opinião de José João Torrinha.
Corpo do artigo
Com nove anos de idade lembro-me de assistir a um jogo que muitos vitorianos também não esqueceram. O Vitória, de Stessl, recebia e derrotava o Benfica por quatro a um. De inusitado não apenas a vitória robusta, mas também o facto de vários miúdos da formação vitoriana terem sido lançados às feras.
Esses miúdos viriam a integrar o plantel na época seguinte, época essa (em que o consagrado Goethals era o nosso treinador) que correu particularmente mal. À memória vêm-me os comentários de então do meu pai: "O presidente pensava que tinha ali uma mina de ouro e afinal..."
Vêm estas lembranças a propósito da tantas vezes papagueada "aposta na formação". Se forem ver o programa eleitoral de qualquer candidato à liderança de qualquer clube de futebol, podem ter a certeza de que estas três palavrinhas lá estarão.
E porquê? Porque é uma ideia fácil de vender aos sócios. Todo o adepto gosta de ver os miúdos a dar cartas entre os graúdos. Mesmo do ponto de vista financeiro, é uma estratégia apelativa e teoricamente ganhadora: com pouco investimento podemos obter ganhos potenciais exponenciais. Do pouco se faz muito.
Qual o problema, então? É que fazer assentar a política desportiva de um clube na sua formação não é uma tarefa nada fácil. Não basta promover meia dúzia de jovens ao plantel principal e já está. É preciso avaliar muito bem quais os que estão em condições de o ser. Se estão na fase maturação certa para dar o salto. Se mentalmente estão aptos para suportar um tipo de pressão com que nunca na vida tiveram de lidar. É preciso saber se se encaixam no modelo tático do treinador, e por aí fora.
E mesmo que o clube faça tudo bem, haverá sempre uma enorme margem de risco.
Por isso, apesar de todas as proclamações dos dirigentes, a realidade normalmente acaba por desmenti-los e a aposta na formação passa rapidamente a ser um slogan vazio.
Por outro lado, às vezes aposta-se na formação não de uma forma sustentada e planeada, mas por necessidade ou capricho do momento (como aconteceu no caso que comecei por lembrar). Os clubes, muitas vezes, estão sem dinheiro e a formação é o que está ali à mão de semear para resolver um problema. Mas isso não é apostar na formação, é apenas um estado de necessidade que mudará assim que as coisas melhorarem.
Olhando para o plantel do Vitória 21/22 vemos que temos bem para cima de dez jogadores da nossa formação que este ano integram a primeira equipa. Isto levanta uma série de interrogações que só os nossos dirigentes e o futuro próximo poderão responder.
São todos para ficar? Vêm ainda mais reforços? Esta aposta é conjuntural, ou estrutural? E a política dos jovens potros oriundos de outros países está definitivamente morta e enterrada?
Dúvidas que começarão a ser respondidas já amanhã, no primeiro jogo oficial da temporada.