Após o problema do sistema, o problema dos melhores intérpretes para o sistema
PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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1 - Após o problema do sistema, o problema dos melhores intérpretes para o sistema. Ao deixar a estrutura dos três centrais, Nelson Veríssimo imaginou que bastava passar para o 4x4x2 para a equipa se libertar das amarras de criatividade que o sistema anterior provocava. Em tese, podia ser assim. Mas, após três jogos, percebe-se como são sempre os jogadores (no sentido do melhor aproveitamento das suas capacidades interligadas) o mais importante para essas transformações. Assim se explica a falta de dinâmica do 4x4x2 clássico encarnado contra o Moreirense de Sá Pinto (em bloco médio-baixo numa linha de cinco).
Como o 4x4x2 não funciona no Benfica de Veríssimo. Após o problema do sistema, o problema dos melhores intérpretes para o sistema.
O primeiro caso tático disfuncional foi colocar Paulo Bernardo descaído sobre a ala direita. Num ápice, o seu futebol influente com rutura que exibe em zonas interiores, desapareceu. Por isso, quando, no fim, Veríssimo se queixou da falta de largura de jogo, era fácil encontrar as causas, acrescidas por, no outro lado, estar Rafa em diagonais.
A equipa nunca teve, assim, as faixas (jogo exterior) bem ocupadas e com os laterais a partir agora duma defesa a quatro, as suas subidas não têm o mesmo impulso natural de sistema que era dado como alas de defesa a três.
2 - A outra falta de jogo associativo notou-se na dupla de pontas-de-lança, demasiado parecida na ocupação dos espaços (Darwin-Seferovic). Raramente os vemos a jogar juntos no sentido da complementaridade de movimentos, que, nestas duplas, se expressa melhor quando um joga atrás do outro, e não, como sucedeu, lado a lado sem movimentos de arrastamento e desmarcações que a movimentação de uma dupla de pontas-de-lança diferentes (no estilo e movimentos) provoca nas defesas adversárias. Desta forma, foi natural a ineficácia de jogo deste 4x4x2 encarnado. Os sistemas não têm vida própria mas sim aquela que os jogadores lhes dão (ou, neste caso, tiram).
3 - O oposto que o FC Porto, no papel num sistema igual, consegue com um n.º 9 de referência para a equipa como é Evanilson (quando joga em apoios de costas), ou de remate, tendo atrás um segundo-avançado com golo (que tanto o serve como é servido, usando os arrastamentos do n.º 9 para surgir em espaços vazios). Foi o que fez, de inicio, com visão de passe, Fábio Vieira, e depois, com mais remate, Taremi.
Ao mesmo tempo, a largura natural nas faixas teve um extremo-avançado a voar, Luis Díaz, e o poder de associação por dentro de Otávio que, nesse movimento, abre (e dá) a largura profunda da faixa ao lateral que sobe (que neste jogo de ataque continuado foi o extremo Pepê).
Olhando estas expressões tão diferentes do mesmo sistema (com variantes entrelinhas atrás do ponta-de-lança) viu-se o abismo de qualidade de jogo, rotinas e criatividade, que separam hoje Benfica e FC Porto.
A agressividade da técnica
O acrescento de agressividade que Amorim reclamava ressurgiu em Vizela, a partir da troca no meio-campo de um jogador mais físico de condução - Matheus Nunes - por outro mais levezinho de construção -Daniel Bragança. Tratou-se, afinal, de buscar a agressividade tática através do maior poder de técnica para a bola rasgar entre linhas a marcação adversária através do passe, em vez de insistir no "jogador transportador" para queimar essas mesmas linhas em posse. É o que distingue, no 3x4x2x1 leonino, o estilo e dinâmicas dos dois tipos de n.º 8 (Matheus ou Bragança) disponíveis.
Esperando o poder a encurtar espaços do Vizela no meio-campo, Amorim fugiu a esse confronto com um jogador que abre espaços através do passe em vez da condução (que podia ser travada no choque).
Desta forma, Bragança foi o revulsivo para fugir ao bom inicio de jogo vizelense em pressão (com duas linhas de três) condicionando o inicio de construção verde. Quando passou a recuar para pegar na bola, fez logo a equipa avançar, porque, assim, conseguiu iludir o jogo de pressão a pares que Álvaro Pacheco congeminara.
Um jogo perfeito para perceber como a melhor agressividade (e aumento da sua intensidade) pode ser uma questão de meter mais técnica na tática (e não o contrário).
Modelos
Manu Hernando: central
Um defesa-central a afirmar-se com personalidade na defesa do Tondela. Feito no Real Madrid, com sentido posicional e sempre muito atento no jogo, é rápido nos cortes, em antecipação ou mais agressivo em "tackle". Destro, revela serenidade e segurança, também expressa com bola, sem inventar na primeira fase de construção. Aos 23 anos, após duas épocas emprestado a Santander e Ponteferradina, revela na nossa Liga uma maturidade e qualidade de jogo que o podem projetar para níveis superiores.
Açores: tática-Cryzan
O Santa Clara busca, ao quarto treinador, estabilizar o seu jogo, mas na estreia de Mário Silva foi curioso notar a manutenção duma dinâmica ofensiva de maior poderio atlético-combativo (sem perder associação com baliza e passe) a partir duma faixa. É a dinâmica nascida da passagem do ponta-de-lança Cryzan para avançado "arrombador" desde a faixa direita. Ao mesmo tempo, Rui Costa surge no meio como n.º 9 mais móvel. Os melhor da equipa (até ao 2-0) surgiu desse posicionamento agressivo atacante.
É a tática-Cryzan. Meter o avançado mais de choque que vai para cima dos defesas sem medo (e invade espaços) desde a largura, tirando-o da marcação mais apertada do meio.
Mafra: Rodrigo Martins
Fez a primeira época de sénior no Loures, vindo dos sub-19 do Estoril que o descobrira no Linda-a-Velha, e agora, aos 23 anos (tendo entretanto também já passado pelo Cova da Piedade e Covilhã) surge como grande destaque do Mafra de Ricardo Sousa. É Rodrigo Martins, jogando entre a faixa ou como interior ofensivo, avançado que sabe pegar no jogo atrás e, com a bola controlada, arrancar misturando pausa, finta e aceleração, terminadas com passes ou remates. Joga e faz jogar.