OPINIÃO - Luís Freitas Lobo
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1 - É como lateral-esquerdo que é uma referência, mas, vendo a expressão de maior perigo e qualidade do FC Porto a atacar nas últimas épocas, tenho a sensação de que ele é o melhor... avançado (no plano do lançamento e projeção final da jogada de ataque) da equipa.
Alex Telles foi o jogador mais influente na dimensão total de fabricar (começar) e acabar jogadas
Se Corona foi o melhor como criativo a desequilibrar nos últimos 30 metros e Marega o carro de assalto da profundidade, Alex Telles foi o jogador mais influente na dimensão total de fabricar (começar) e acabar jogadas. Visão de jogo posicional em movimento.
Mas atenção, não o metam na redutora definição de lateral ofensivo. Ele é, no plano global do jogo, o que eu chamaria um lateral-avançado (um avançado com pele de lateral ou vice-versa). Mesmo quando joga um extremo à sua frente, é ele o catalisador para invadir espaços vindo de trás, dentro do estilo de jogo promovido por Sérgio Conceição.
2 - Para o provar, basta ver como, contra o Braga, o treinador falou da entrada de Zaidu para ala-esquerdo dizendo que naquele momento do jogo era necessário quem protegesse melhor os ataques de Alex Telles. Ou seja, mesmo com um jogador à frente dele pretensamente mais atacante por definição, o verdadeiro avançado continuava a ser Alex Telles. Daí ser o elemento mais importante/influente para o título do FC Porto na época passada e, no modelo de jogo de Conceição, o mais decisivo para o fazer voar ofensivamente.
Não é fácil, portanto, imaginar hoje a equipa a jogar sem ele.
De exemplares que correm muito de trás, passam por todos e, chegados à frente, cruzam (ou atiram) a bola para a área está hoje o futebol cheio. Isso é uma coisa. Jogar é outra!
Não é só questão de substituí-lo por um lateral com traços semelhantes. É ter de criar uma nova forma de atacar no plano da interligação por todo o flanco com o ala que joga à frente, seja este mais puro ou falso, a fletir. Não basta outro lateral ofensivo. De exemplares que correm muito de trás, passam por todos e, chegados à frente, cruzam (ou atiram) a bola para a área está hoje o futebol cheio. Isso é uma coisa. Jogar é outra!
3 - Vejo assim este FC Porto a ter de crescer, no seu jogar, com um extremo-esquerdo mais de raiz nesse flanco. Corona já caiu lá várias vezes, mas a maior expectativa está no crescimento de Luiz Díaz em termos de consistência de exibição em qualidade alta.
Conceição sabe que a equipa tem uma memória coletiva de jogo enraizada (viu-se no primeiro jogo da época) e não quer arriscar perder essas bases de segurança de qualidade exibicional. Por isso trata-se mais de criar uma nova subdinâmica para esse espaço do que de mudar um estilo. Juntando a isso ter de criar outro subprincípio ofensivo com a entrada de Taremi, um avançado tão diferente dos que saíram, já são muitas coisas novas para o treinador portista ter de reinventar no seu laboratório de jogo para esta época.
Um tigre no supermercado
Tenho dificuldade em perceber em que país estou. No mesmo dia, duas notícias sobre jogadores e a nova época.
Faiq Bolkiah, sobrinho do sultão do Brunei que, mesmo gastando num mês 35 milhões de euros, sonha ser futebolista profissional e chega para jogar no Marítimo.
Diogo Oliveira, há pouco simples empregado de supermercado e que, seduzido também pelo sonho de ser profissional de futebol, deixara o emprego para jogar no Aves (ofereceram-lhe 600 euros e era "ela por ela"), mas agora foi informado de que a SAD falida não iria competir e nada feito.
Não é difícil dizer qual destas duas realidades (tão antagónicas como perturbantes) espelha o futebol português mais real e profundo
Não é difícil dizer qual destas duas realidades (tão antagónicas como perturbantes) espelha o futebol português mais real e profundo. O Diogo está, porém, aliviado, porque "no supermercado garantiram-me o emprego de volta". De Faiq fala-se de que é rápido e tem em casa milhares de carros de luxo e um... tigre.
Tudo isto é tão humano como absurdo, mas não há forma de fugir a este choque de mundos paralelos que vão seguir pacificamente. É a velha (e eterna) anormalidade ou a nova normalidade do caos.