Europeu de Corta-mato levou-nos do entusiasmo à depressão. Os piores resultados de sempre, a repetirem-se, vão um dia ter custos. Para os atletas.
Corpo do artigo
Como sou um otimista, entusiasmei-me no dia em que saiu a convocatória da Federação Portuguesa de Atletismo para os Europeus de Corta-mato: eram chamados todos os melhores, sem necessidade de gastar forças em provas de apuramento e tendo tempo suficiente para se prepararem. Não sou sonhador ao ponto ter imaginado medalhas como nos anos em que a camisola de Portugal intimidava os adversários, mas acreditei que os atuais e discretos equipamentos brancos estivessem de novo entre os 14 países que festejaram pelo menos um pódio na holandesa Tilburg.
"Com resultados tão maus, argumentos como o da inflação de atletas africanos naturalizados, momentos de forma, azares ou outros não funcionam."
Os resultados, já se sabe, foram deprimentes: o 15.º lugar de Mariana Machado em juniores e o 28.º de Carla Salomé foram os únicos entre os 30 primeiros. Por equipas, as seleções de seniores e de sub-23 obtiveram os piores resultados de sempre, tanto em masculinos como em femininos. A estafeta mista estreou-se sendo antepenúltima!
A lama, frio e vento de Tilburg podem ter prejudicado, mas o responsável pelas seleções, António Sousa, foi o primeiro a ter a honestidade de dizer que foram "iguais para todos". E, com resultados tão maus, argumentos como o da inflação de atletas africanos naturalizados, momentos de forma, azares ou outros não funcionam. Os nossos atletas perderam para todos.
O desastre numa prova que Portugal dominou nos primeiros anos - e ainda é quinto no medalheiro global - remete para dois tipos de explicações, ambas preocupantes:
- ou os nossos fundistas já estão demasiado distantes do nível a que nos tinham habituado e são agora atletas vulgares;
- ou os atletas portugueses foram ao crosse pensando igualmente nas corridas de Natal que têm este mês pela frente, com cachês que lhes rendem uma espécie de 13.º mês, e esse tipo de atitude paga-se caro.
Continuando otimista, vou acreditar na segunda possibilidade. E se compreendo que os atletas nacionais precisem dos cachês para sustentar uma carreira profissional, começo a não entender a falta de apostas a longo prazo ou que o seu profissionalismo não inclua estágios em altitude, que na última década voltaram a fazer a diferença entre bons e maus resultados.
A federação vai conversar com os atletas e espero que, além de perceber o que se passou, lhes faça um alerta: eu, como entusiasta de atletismo, vou hoje mais depressa para a rua aplaudir os irmãos noruegueses Ingebrigtsen do que qualquer fundista português - e se um dia os organizadores de corridas tiverem a mesma opinião, já será tarde para os atletas nacionais mudarem de atitude.