TEORIAS DO CAOS - Um artigo de opinião de José Manuel Ribeiro, diretor do jornal O JOGO.
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Decorreram 27 anos desde que as caravelas pioneiras d" O JOGO recolheram os panos latinos no continente selvagem da estatística de futebol, à boleia da primeira empresa portuguesa (julgo) a recolher esses dados.
O meu parabólico amigo Luís Freitas Lobo, com quem prossigo uma querela já idosa sobre a utilidade da matemática, retiraria da parede o quadro do Maradona em trusses de 1986 (254 por 123 cm, autografado) e penduraria naquele lugar de honra qualquer um dos artigos hilariantes que escrevemos nesses dias, de preferência assinado por mim, para sua máxima glória.
Eram parágrafos e parágrafos de casas decimais que separavam a potência da mediocridade absoluta. Como não tremer de terror perante a vantagem média de 0,2 cruzamentos, pela direita, que o Tirsense ostentava sobre o Leiria? E as interceções, o que dizer das interceções? Jamais o Benfica salvaria a pele em Chaves com todas aquelas interceções, e cuidado com as penetrações pelo centro: um bom transmontano penetra umas indecorosas 0,05 vezes mais quando é mesmo pelo centro. Mas não perdi respeito pelos números, bem ao contrário. Aquele a quem o tubarão comeu um braço não perde respeito pelo tubarão (nem pelo Luís, por ter um quadro do Maradona em trusses).
Em doses regradas, a matemática é uma das raríssimas formas de discutir futebol com racionalidade. Só que o Luís Freitas Lobo calcula o troco do panado em pão com o ventrículo esquerdo e deixa-me sem argumentos: a matemática rende-se, impotente, quando lhe pedem para provar que as fadas não existem. Imagino-o abraçado ao peluche do Naranjito, a sonhar com criaturas translúcidas, apenas uma gaze (e caneleiras) a cobrir-lhes os perfis sugestivos, algumas têm as suíças do Beckenbauer, outras o penteado à Beatle do Rensenbrink, outras a calva do Di Stéfano, e sempre as asinhas de libélula a bater, a bater, enquanto trocam, suspensas, uma bola dourada com passes saídos de um poema homérico de ninfas e sereias. Só um monstro iria a correr quebrar-lhe esta ilusão, por isso optei por ir devagarinho, mas com o espírito aberto.
Talvez por tanto o apaparicar, o futebol tem dado razão ao Luís. Alguns relatórios técnicos que circulam nos gabinetes do futebol profissional não diferem muito daqueles primeiros artigos ingénuos que escrevíamos nos idos de 1994. Há formulários de observação de jogadores com dezenas, talvez centenas, de quadradinhos à espera de cruzes (é isso que os jogadores são hoje, um conjunto de cruzes), e mesmo algoritmos que ajudam alguns treinadores mais progressistas a tomar decisões táticas. Por outro lado, a FIFA, a UEFA e o International Board - perspicazes como de costume - vão vergando perante esse treinador cibernético, substituição a substituição, julgando, estupidamente, que o jogo melhorará se dermos a alguém o poder de intervir sempre que o caos e a imprevisibilidade ameaçarem. Leio as análises ao Euro"2020 e só vejo um futuro pré-programado, de botões coloridos e folhas de cálculo. Agarra-te com força ao Naranjito, Luís.