VISTO DO SOFÁ - Uma opinião de Álvaro Magalhães
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Esta semana, Édgar Páez, de 63 anos, presidente do Tigres FC, da segunda divisão da Colômbia, foi assassinado a tiro por adeptos do clube quando regressava a casa de carro, após a derrota por 2-3 contra o Atlético FC.
Dos 125 mortos na Indonésia, em luta de claques, ao que peregrinou mais de mil quilómetros e foi o único apoiante da equipa. Os adeptos só se parecem com eles próprios
O futebol é definitivamente, um caso de vida e de morte. De vida, por acrescentar vida à vida, de morte por accionar mecanismos ancestrais que são recalcados pela civilização e a cultura, gerando uma energia negra que aproveita todas as oportunidades para se manifestar. Há um ano, morreram 125 pessoas na Indonésia, quando duas claques se confrontaram durante um dérbi, mais do triplo dos que os 38 que morreram no estádio de Heysel, na final da Champions de 85. E como isso é um padrão, houve, na semana passada, uma réplica suave desse episódio durante o Ajax-Feyenoord, que os da casa perdiam por 3-0. Em ambos os casos, e em muitos outros, o rastilho foi a frustração causada por uma derrota insuportável. Essa dor imensa também pode levar ao suicídio: em 2013, John Macharia, de 28 anos, adepto do Manchester United, lançou-se de um sétimo andar, depois de uma derrota da sua equipa (1-0, em casa, com Newcastle).
Insanos, excessivos, generosos, contraditórios, frequentemente infames, os adeptos só se parecem com eles próprios. Embora a paixão pelos seus clubes os unifique e igualize, há imensas matizes e variantes. Por estes dias, pudemos conhecer o jovem que prometeu correr nu na Praça do Marquês, em Lisboa, quando João Félix voltasse a marcar um golo. E cumpriu, logo a seguir ao Portugal-Luxemburgo. Também ficámos a saber que Gustavo, um comerciante argentino de Buenos Aires, todos os dias sai à rua com uma bandeira do país, para comemorar a vitória no Mundial do Catar. Não é todos os dias que se ganha um Mundial, logo, há que o comemorar como deve ser, ou seja, todos os dias. E que dizer daquele adepto do Gefle IF, um pequeno clube da segunda divisão sueca, que fez uma peregrinação religiosa de mais de mil quilómetros para apoiar o clube em casa do Kalmar? Quando lá chegou, soube que era o único adepto do clube que estava no estádio. O Gefle IF ganhou por 1-0 e, no final do jogo, os jogadores ovacionaram-no.
Uma equipa agradecida, a aplaudir o único adepto presente. E agora pergunto: se não fosse aquele adepto, mais o seu «santo» sacrifício, que sentido teria aquele jogo, aquela vitória? No entanto, cresce todos os dias o fosso que existe entre o sentimento avassalador dos adeptos e a ideia de negócio, que se lhe opõe. O portista João Pinto, que acaba de receber o One Club Man Award, prémio entregue pelo Athletic Bilbau a jogadores que fizeram toda a carreira num só clube, disse, na ocasião, que «hoje em dia, fazer negócios é mais importante do que jogar futebol». E há uma história recente que ilustra essa frase. Temendo a partida do seu muito amado goleador, Roger Guedes, para a Arábia, por muitos milhões, adeptos do Corinthians, pobres, na sua maioria, enviaram-lhe pequenas quantias de dinheiro, para o incentivarem a ficar. O amor puro dos adeptos contra o poder dissolvente do dinheiro. E ganhou o dinheiro. Ganha sempre.