PLANETA DO FUTEBOL - Do Sporting ao Benfica: a diferença das peças certas que entram na máquina para as que surgem só para a fazer andar mais depressa.
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1 É verdade que quando entramos pela primeira vez num local novo precisamos de um tempo de adaptação mas há coisas que se percebem logo num primeiro olhar.
A adaptação de Paulinho ao jogo, espaços de ataque e movimentos do Sporting demorou a eternidade de... três minutos.
E não falo num remate que qualquer n.º 9 faz mal vê a bola à sua frente. Falo duma receção orientada com passe de costas para a baliza dando em apoio para o "sócio ofensivo" (neste caso, Antunes a vir desde trás) rematar, no espaço vazio certo. É a distância (e diferença que o relaciona) entre ser jogador antes de ser "só" ponta-de-lança. Isto é, ver a sua equipa e jogar com ela antes de ver a baliza adversária. Como a "máquina tática" coletiva também precisava duma "peça" assim, tudo começou logo a andar/rolar.
O resto é ver como cresce o jogo em progressão com bola de Matheus Nunes (um n.º 8 capaz de conquistar cada vez mais metros a avançar) e o radar na cabeça de Pedro Gonçalves para estar onde é preciso e também fazer golos.
2 A importância que, subitamente, Cervi readquiriu na equipa do Benfica mostra a confusão de conceitos em que caiu o jogo benfiquista. A vontade de fazer as coisas depressa (muito diferente de meter maior velocidade no jogo) está na base deste sentir que a solução para resolver os problemas da equipa estariam no estilo "rato em zig-zag" deste extremo que até se imagina a lateral por chegar tão rapidamente à frente.
O jogo contra o V. Guimarães mostrou (outra vez) um onze benfiquista sempre em esforço. A fazer esforço para jogar o seu jogo (mas, precipitando-se, errando muitos passes). A fazer esforço para pensar o jogo a atacar, tal a falta de pausa (entenda-se circulação com critério) na voragem com que quer fazer tudo (resolver os problemas a correr). A fazer esforço para perceber qual é, afinal, a sua "ideia de jogo" (para além de ter de correr muito num 4x4x2 sem cérebro organizador a meio-campo). A acabar, o remate de Pedrinho para o céu, com a baliza toda tão perto, foi a imagem perfeita de tudo isto.
3 O campeonato chega ao fim da primeira volta rindo-se da maioria das previsões feitas para ele no seu início. A ironia que é o atual Sporting-líder tanto cria admiração como desconfiança. Amorim, naturalmente, assobia para o ar quando lhe falam no título. É outra forma de ser grande quando, verdadeiramente, não se é (em termos de ganhar o campeonato) há vinte anos. Tem tempo para respirar fundo a cada semana entre um jogo e outro. Ao mesmo tempo, o FC Porto tenta jogar pensando em dois (ou três) jogos ao mesmo tempo. Duas realidades que, aliviando ou sufocando, marcam a diferença.
Definir e ordenar
Um dia antes de Paulinho surgir leão no Funchal, surgiu Sporar a n.º 9 no Braga. Aquele remate de primeira, sem deixar a bola cair (quando a equipa ainda perdia) fazendo-a raspar o ângulo, mostrou, por si só, o instinto com que remata após a inteligência com que se move. Afinal, Carvalhal (que, após Moura, perdeu agora Iuri Medeiros) vai ter "jogadores frescos" com menos jogos nas pernas e voragem para mostrar como jogam. O outro (para além de saber-se que nível atingirá Borja) é Lucas Piazón. O futebol que tem dentro dele (da cabeça aos pés) é tanto que só precisa processar melhor essa informação dentro de si para a execução (e influência na equipa) ser proporcional. O "golaço" marcado ao Portimonense foi o primeiro sinal.
A organização defensiva do V. Guimarães é a base para o crescimento do nível de jogo (e resultados) revelado com João Henriques. O jogo que fez na Luz (com marcações zonais cirúrgicas) provou isso, com rigor impassível a ocupar todos os pedaços de relva. O passe seguinte será crescer no processo ofensivo para além dos talentos individuais.