PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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1 - Ainda estamos no início da época (apenas 11 jogos no campeonato) mas a tentação de descobrir forças e crises tem sempre um apelo prematuro.
São mais os jogadores ou os treinadores que estão a mexer com as equipas?
Resisto sempre a usar essa palavra só por razões de resultados ou até alguma exibição negativa. O que, em rigor, me faz despertar na consciência de análise a palavra crise é quando vejo que o jogo de uma equipa perdeu alegria (e que esta foi consumida pelo receio ou pela ansiedade).
Ainda não vi nenhum dos grandes cair nesse "alçapão emocional" esta época. Mesmo após derrotas copiosas (na Europa) ou derrapagens internas (em jogos com história própria e não consequência de algo profundo).
2 - O campeão Sporting tem um "piloto automático tático" de que não abdica, o Benfica optou por um sistema de três centrais que acho prender mais o jogo da equipa do que o libertar, e o FC Porto depende muito dos impulsos individuais, embora subjacentes ao coletivo, para crescer no jogo.
Esteja o jogo como estiver (a perder ou ganhar, pressionando ou a atacar), já não coloco a possibilidade de Amorim passar para uma clássica defesa a "4". As mudanças podem nascer, em síntese, de quem joga ao lado de Coates. Centrais puros ou laterais adaptados por dentro? Mesmo assim, isso só muda, essencialmente, como quer sair a jogar (mais por dentro ou por fora) e não como quer jogar no sentido coletivo de ligação entre setores.
3 - O emergir, no FC Porto de Conceição "versão IV", de individualidades como Vitinha, Fábio Vieira e, claro, Luis Díaz, tem levado a equipa para outros patamares exibicionais. Descontando o papel de Díaz, fundamentalmente para rasgos nos últimos 30 metros, o centro de "upgrade" no jogo está na posição "8" e na forma de ocupar a do "10" de forma diferente. É nesta que a entrada de Fábio Vieira retira o peso tático que antes repousava todo em Otávio de (mesmo vindo duma ala) aparecer nessa zona. A metamorfose entre 4x4x2 e 4x3x3 (sistema que surge desenhado quando aparece esse tal terceiro homem por dentro) tornou-se menos dependente da mobilidade da estrutura e mais produto natural do jogo posicional da equipa (jogando Fábio Vieira, claro).
4 - A opção de Jesus em jogar com três centrais dá à equipa grande profundidade exterior (com subida dos laterais) mas retira-lhe poder de "inserimento" no jogo interior (mais evidente em jogos de ataque organizado com equipas fechadas, mais disfarçado quando pode lançar o contra-ataque, como contra o Braga).
A lesão de Veríssimo pode ser o mote para mudar o sistema mas, após a Taça, não creio que, com três centrais de garantia disponíveis, o faça já no campeonato. Há rotinas criadas e a criação do tal terceiro elemento para o meio-campo tem de ser feita em conjunto com João Mário, o jogador que, na prática, vai, em campo, dizer até onde ele poder ir em termos de liberdade e obrigações no jogo.
O músculo mais técnico
Não será o jogador que vão apresentar aos convidados mais ilustres, mas vendo como corre o futebol não tenho dúvida que se dessem a escolher aos grandes um elemento para melhor segurar a decoração tático-coletiva do onze ele seria Al Musrati (o n.º 6 do Braga, que faz do jogo uma aula de geometria de passe).
No fundo, o possante líbio que faz a bola parecer pequena quando sai dos seus pés e logo depois grande quando chega redonda ao destinatário, traduz, no jogo, uma palavra que todos buscam: segurança.
O jogador que todos gostariam de ter nas suas equipas
Uma segurança de equilíbrio defensivo pela sua cultura posicional a pivô-trinco (não é, apesar da sua pujança atlética, um jogador de jogo... físico) e uma segurança de passe no início de construção, onde tantas equipas (querendo ser mais do que os seus jogadores lhes permitem ser) perdem a bola. É neste traço que se vê que o jogo de Musrati não é feito dos seus músculos mas sim da sua técnica com visão de passe (lateralizando/abrindo ou, ponto onde deve melhorar, em passes verticais que queimem linhas de pressão adversária).
Percebe-se que esta equipa do Braga tem muito para dar no futuro da época, mas o problema para qualquer equipa que o Braga faça, com a autoexigência que através dos anos criou para si, é que não pode desperdiçar o presente.