PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Quando aquela bola, no tempo de descontos, saiu disparada em diagonal da bota de Cuadrado, o voo de Marchesín vendo-a, impotente, levava suspenso o sonho europeu portista. Aquela bola, como outras antes, era humanamente imparável, mas antes ele já fora buscar outras em defesas impossíveis. Por isso, quando esta bateu na barra e desprezou as redes, o sobrenatural provava como os ferros da baliza sabem ver jogos e os guarda-redes que lhes merecem o máximo respeito. Nesta noite de Turim, começara tudo no primeiro minuto (a parar um cabeceamento-fuzilamento de Morata) e acabaria no último (numa sapatada elástica tirando a bola a Demiral, na pequena-área).
Na noite de Turim, os mecanismos emocionais futebolísticos movem-se: das defesas impossíveis de Marchesin ao festejo-Costinha de Sérgio Oliveira
Na saga azul de Champions, antes da tática e do livre de Sérgio Oliveira, esteve um guarda-redes feito de borracha. Marchesín vai buscar bolas ao fim do mundo, mesmo que estejam no ângulo onde as corujas dormem. É um jogador, o guarda-redes, visto quase como eremita das redes que o sistema ignora, rindo-se dos que cremos ser sempre a tática a razão de todas as coisas. Não é. Porque só o guarda-redes é dono do último (como do primeiro) minuto.
2 - Gostei de ver Sérgio Oliveira festejar o golo, naquele livre que a barreira da Juventus achou não ter perigo nenhum e abriu, repetindo o mesmo gesto e sopro, asas e vento, de Costinha, 17 anos depois. É, de facto, irresistível, com a coincidência de datas, efeméride e competição, juntar Manchester e Turim, mas, tirando a cenografia mítica, não existe nenhum ponto de contacto. Estes são outros tempos, equipas diferentes (no talento e estilo) e pouco sensíveis ao passado. Mas não sejamos tão redutores. Nada põe mais entusiasmo e emoção a um acontecimento do que relacioná-lo com algo imortal.
Fiel ao seu estilo, Sérgio Oliveira constrói-se a si próprio (ao seu jogo) em torno da equipa (do 4x3x3 ou do 4x4x2) e conquistou, após tanta desconfiança, a cumplicidade de todos. Do chefe-veterano do onze em campo (Pepe e o "jogas tanto, Sérgio"!) ao mais exigente adepto de bancada.
3 - Estará, por fim, o FC Porto imunizado à emergência de ter de jogar em inferioridade numérica (dez contra onze)? Taremi foi expulso ainda faltava quase toda a segunda parte (mais o prolongamento). No imediato, o sistema nervoso tático-central da equipa abanou. Depois, estabilizou. Esta Juventus também repete demasiadas vezes a mesma coisa (movimentos) no jogo. É, hoje, uma equipa despersonalizada.
Mantendo organização, o onze portista soube serenar, jogar bem cansado e deixar de ver ameaças em tudo (entenda-se qualquer ataque adversário). Os mecanismos emocionais futebolísticos movem-se.
O olhar de Ronaldo
E, de repente, Turim descobriu que Ronaldo tornou-se um problema. Mais do que voltar a falhar na Champions, a sensação mais perturbante é de o ver com olhar perdido impotente num jogo em que toda a equipa (debilitada como coletivo) precisava dele (da exuberância da individualidade, que pode não fazer jogar melhor jogar a equipa, mas fá-la ganhar numa jogada ou remate).
Talvez o tempo (o único inimigo imbatível para qualquer craque ou ser humano) esteja por fim a vencer Ronaldo e já não basta a sua seletiva gestão de esforço à espera da bola certa para um arranque curto mortífero (agora que sabe não ter a explosão do passado). Talvez.
O importante é perceber qual será o melhor local e estilo para o seu futebol já a meio da "estrada dos 30". Itália é o local onde mais se respeita os veteranos, mas as exigências individuais já não aguentam, nesta fase, um coletivo tão disfuncional. É hoje essa a diferença para o jogo e ação de Ronaldo. Já não pode escolher qualquer equipa sem a avaliar antes, julgando que vai mudar sempre tudo nela (em termos de resultado) como no passado.