VISTO DO SOFÁ - Um artigo de opinião de Álvaro Magalhães.
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Estou entre os que consideram que a utilização de Pepê no lugar de defesa direito é um desperdício, o pequeno erro de um treinador que tem sido praticamente infalível, tanto que facilmente se lhe perdoa este pecadilho.
Há cinco anos que Sérgio Conceição faz o seu trabalho de alquimista, transformando metais vulgares em ouro (Eustáquio é a mais recente prova disso). Essa é a regra, o caso de Pepê é a excepção que a confirma.
Sérgio Conceição disse que Pepê era um dos jogadores com mais qualidade que tinha treinado. Logo, custa a crer que abdique desse talento, o qual só pode exprimir-se plenamente se o jogador estiver no seu lugar natural, que é do meio-campo para a frente, nessa zona onde se rasga o tecido defensivo do adversário. A criatividade de certos jogadores é um posto, uma arma, logo, é sempre insensato limitá-la. Pepê é o que se chama um desorganizador de defesas. Um toque de bola inesperado cria um espaço que não havia e a organização defensiva do adversário entra em crise. Taremi e Evanilson não fazem esse trabalho, esperam que alguém o faça e os sirva. Galeno, sim, também faz isso, mas de um modo diferente e só quando há espaço livre.
Disse Sérgio Conceição, em sua defesa, que um defesa direito do FC Porto é como um ala, o que é só meia-verdade. Foi assim no jogo com o Paços de Ferreira, no Dragão, mas não foi assim no jogo com o Atlético de Madrid, também no Dragão, em que o Pepê foi elogiado por ter «secado» Félix e Carrasco, não por ter marcado ou assistido. E é preciso ser um criativo para «secar» adversários? Um tipo forte e aplicado, sem grandes qualidades técnicas mas adestrado para tal, não faria o mesmo? Nesse jogo, e também no jogo com o Benfica, foi pecado capital ter o jogador mais criativo em funções defensivas. Ele cumpriu, como se diz, mas ficamos sem saber o que poderia ter feito se estivesse no seu lugar natural. Isto é: por melhor que corra a adaptação à defesa de Pepê, perde-se sempre mais do que o que se ganha. Chelsea e Arsenal, que o cobiçam, de certeza que não o querem para jogar na defesa.
Este sacrifício do talento no altar do utilitarismo já aconteceu antes, com Jesus Corona, e deve-se à necessidade de tapar aquele buraco negro do lado direito da defesa, que está ali desde a saída de Danilo para o Real Madrid, em 2015. Nesta época, João Mário parecia capaz de fazer o lugar, mas teria de crescer um pouco e aconteceu o contrário. Rodrigo Conceição está verde, nem dá para ver o que pode fazer no futuro, e Manafá é o remendo que só serve para nos lembrar que está ali um grande problema. Sim, sabemos do grande problema, mas resolvê-lo com o sacrifício de Pepê é como ter na equipa de cozinha um chef com cinco estrelas Michelin e pô-lo a lavar a louça e a descascar batatas.
Sim, estou entre os adeptos que sofrem por verem o talento de Pepê capturado pela condenação às mais prosaicas tarefas caseiras: cortar, despejar, secar, varrer. Se houvesse uma manifestação desses adeptos, podiam ver-me na primeira fila, segurando um dístico onde se lia: «Liberdade para Pepê».