TEORIA DO CAOS - Uma opinião de José Manuel Ribeiro
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Acabo de ler (e encomendar o livro, "Rulebraker", que se traduz por Quebra-regras) duas pré-publicações de um trabalho sobre os anos de Thomas Tuchel, treinador campeão europeu do Chelsea, no Mainz e nas equipas de juniores que treinou.
A fúria é o estado psicológico a temer neste Sporting, e quase sempre por causa de Porro
Nos meus anos imberbes, já me fazia confusão que treinássemos passes e receções em condições perfeitas, sem qualquer pressão sobre quem passava e basicamente exigindo que a ação de quem recebia fosse o mais facilitada possível (porque os passes, lá está, eram perfeitos). Eu e um colega julgávamos atenuar o problema, antes de cada jogo, gastando cinco minutos a trocar passes precisos, de uma faixa à outra do campo, com a força máxima que conseguíamos dar à bola, coisa que, vendo bem, talvez não fosse assim tão inteligente.
O pensamento de Tuchel, já conhecido e nem por isso original, é simples: tornar os treinos numa versão tão infernal do que vai acontecer no jogo que, quando a equipa lá chegar, todas as tarefas pareçam fáceis. Em menos palavras, roubar aos jogadores tanto tempo, espaço e tranquilidade quanto for possível. Tuchel, ele próprio, tenta ser um fator de desassossego permanente nos treinos. Mas em Portugal nem isso seria suficiente: faltaria o fator Marítimo.
Por ironia, um dos exercícios mais míticos do alemão é o campo de treino desenhado em ampulheta, para impedir que a equipa use as alas e aprenda a chegar ao ataque através de um corredor diminuto. A ampulheta é um instrumento que mede o tempo, para maior ironia ainda, com areia que desce da metade superior do frasco de vidro para a inferior. Tempo e areia (nos buracos do relvado dos Barreiros) são os elementos básicos do futebol do Marítimo, de há uns anos para cá, e de forma transversal a todos os treinadores. Como é que Tuchel treinaria o fator Marítimo ou, vá lá, o fator antijogo? Como é que se simula um ataque à paciência dos nossos jogadores?
No campo, ao longo dos anos, vi de tudo. Do tradicional rebolar dez vezes no relvado (como faço em casa quando dou uma martelada no dedo, você não?) às provocações físicas e verbais discerníveis no ecrã, acabando nas reposições de bola que, na verdade, se deviam chamar requisições de bola quando estão os madeirenses a jogar, porque é literalmente obrigatório preencher papelada. O truque resulta bem com o FC Porto e às vezes com Benfica, mas costuma sair pela culatra com o Sporting, e creio que parte da razão é um espanhol furioso.
Amorim falou erradamente em coragem, a seguir à goleada com o Ajax. A fúria é o estado psicológico a temer neste Sporting, e quase sempre por causa de Porro. Pressinto que o livro sobre Tuchel não me explicará como se condiciona um jogador até o transformar num furioso altamente funcional como ele, e sem o génio dele também não me vêm à cabeça formas alternativas de manter as equipas frias e pacientes contra adversários irritantes. Eu mesmo fico impaciente e com vontade de reclamar reembolso à Sport TV. Mas Porro vira tudo ao contrário: talvez seja o Marítimo quem precise de ler sobre Tuchel antes de jogar com o Sporting. Uma semana a treinar contra uma matilha de rottweilers é capaz de resultar. Se não resultar, experimentem não aborrecer o craque espanhol de olhar louco que costuma correr ali pela direita.