Pogba é um jogador que brinca com os enigmas, porque ao contrário de outros craques caprichosos ele cresce nas exigências e não nas liberdades.
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1 - Já demos uma volta inteira ao redor do Europeu e na maioria dos casos falamos de equipas que confirmaram as suas tendências (de jogo e, maior ou menor, qualidade).
Vivemos um tempo em que os sistemas de defesa a "3" ganharam um novo impulso de protagonismo por muitos locais, mas, confesso, que quando vejo a versatilidade segura do 4x3x3 da França de Deschamps, no regresso às bases do mais simples jogo posicional e de triângulos (definindo, sem bola, a zona de pressão central, e, com bola, a saída desde trás e organização ofensiva), vejo o melhor futebol. O tático, coletivo, e o dos jogadores.
2 - Do outro lado, a complexidade do 3x4x2x1 alemão cometia o maior pecado tático que um sistema pode cometer: não tirar o melhor dos jogadores. Low sentiu necessidade de resgatar os velhos líderes (Hummels e Muller) para tentar dar maior hierarquia de autoridade e maturidade à equipa, mas as coisas não funcionam assim. O problema alemão, com o seu futebol a viver um cruzamento de gerações espelhado no onze da seleção, é de simplificação. Algo em que os alemães sempre deram lições na história. O sub-rendimento de Kimmich, Gundogan e Kroos (os três formariam um meio-campo de luxo) é consequência da deficiente articulação entre sectores-posições da dinâmica do sistema. Bastou Kimmich, na segunda parte, jogar um pouco mais por dentro (de lateral-direito para a meia-direita pisando terreno interiores de segunda linha do meio-campo) para a equipa, sua capacidade de ter bola ofensiva com critério, melhorar.
3 - Pogba é um jogador que brinca com os enigmas, porque ao contrário de outros craques caprichosos ele cresce nas exigências e não nas liberdades. Ou seja, já vimos como, no passado, nos clubes (como o Manchester) a sua cabeça trai o seu talento mas, em geral, quando chega à seleção, fica outro jogador, racional e disciplinado (e ele tem tudo, técnica, visão e físico).
O enigma trocista está em que, paradoxalmente, goza de maior liberdade de movimentos nos clubes do que na seleção em que, como interior-direito do 4x3x3, tem de fazer, primeiro, a cobertura defensiva (quase guarda-costas de Griezmann, que foi ala direito), ativador a pressionar a saída de bola do adversário chave nesse papel, Kroos, e, depois, condutor construtivo da bola até definir o ultimo passe. Acresce a gestão de ritmos de jogo, tornando-o mais lento (a pausa tática controladora) quando ele o pede e depois reativar a velocidade da... bola com um passe do qual só ele viu a linha aberta.
Com Kanté, trinco-pivô motorizado no meio, e Rabiot no mesmo princípio de movimentos na meia-esquerda, deu um recital tático (com técnica) frente à Alemanha.
Tática
- O jogo de dobras e saída de bola dos interiores franceses Pogba-Rabiot
- O jogo associativo, com técnica fina, de Miranchuk como n.º 10 da Rússia
Anti-tática
- A ausência de Kimmich, encostado a um flanco, do centro do jogo alemão
- O processo de descoberta de Benzema a regressar à seleção francesa
A bola quando desce à relva
E, de repente, os russos baixaram a bola à relva para entrar na área e, na definição, Miranchuk fez um golo de encantar, dominou a bola no metro quadrado de relva e fez um remate fino ao ângulo. Pelo meio, a montanha n.º 9 Dzyuba provou que ninguém obriga a equipa a jogar direto para ele. Entrou na jogada de costas, aguentou o peso das marcações dos três centrais finlandeses e deu em apoio para o tal remate com fineza de técnica. Aqui está como, na medida certa das suas qualidades de relação com a bola, todos podem participar em boas ideias de jogo. Não é fácil à primeira vista.
Vendo a Finlândia, a Europa está a descobrir, por fim, um bom ponta-de-lança, de jogar em cunha como n.º 9 puro ou em dupla no ataque. Pohjanpalo já leva alguns anos a jogar na Bundesliga (do Leverkusen, emprestado ao Union Berlim) mas poucos conseguem vislumbrar nele a inteligência naquele físico possante entre os centrais adversários. Mesmo com tanta visibilidade muscular, move-se em espaços curtos, no choque e, de cabeça, marca a diferença mesmo com os defesas a respirar em cima dele.
O futebol pode, muitas vezes, começar no impacto da dimensão física, mas é sempre quando se percebe a relação dele com a bola que se percebe até que ponto ele pode ser útil.