PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Quando Fernando Santos afirma que vai mudar a forma de jogar da Seleção portuguesa "para que os jogadores se sintam mais confortáveis" percebemos que, nessa alteração, está implícita uma mudança de sistema tático preferencial.
É um diagnóstico que Santos faz não só em face das exibições falhadas neste ultimo ano mas também (ou sobretudo) comparando-as com as ditas exibições equilibradas que nos levaram ao título em 2016. No centro tático da mudança estará o regresso ao 4x4x2 que nos fez ganhar, abandonando o 4x3x3 que embora sendo, na raiz, o sistema do nosso futebol, deixou de fazer feliz os jogadores em campo.
É um tema que merece um debate mais amplo, mas numa primeira sensação, fica a certeza que no dilema sobre se primeiro estão os jogadores ou o sistema, Fernando Santos decidiu, neste momento decisivo, que seriam os jogadores, após tempos em que colocou o sistema. É uma decisão mais reativa (a urgência de tocar em algo substancial para mudar o estado de jogo da equipa) do que um pensamento totalmente assente em convicções.
2 O passar para 4x4x2 tem, na mente de Santos e no historial recente da Seleção, o poder de 2016, quando, em pleno Euro, após dois empates iniciais, passou a estruturar o meio-campo "a quatro" e, com isso, logrou passar a controlar o centro dos jogos com o saber tático-técnico dos nossos médios.
Vejam os nomes de então, entre meia-final e final: Danilo (na final jogou William Carvalho), Adrien, Renato Sanches e João Mário. Depois, para reforçar o controlo da "sala de máquinas" entraram Moutinho e André Gomes. Na frente, claro, Ronaldo e... outro avançado.
A tentação de repetir agora a fórmula choca com uma tipologia distinta de jogadores que entretanto apareceram, com características mais de médios-ofensivos quase avançados puros (de Bruno Fernandes, Jota, Bernardo Silva e até Otávio) em contraste com o exercito tático de médios que antes tínhamos e enchiam o campo (na frente, Quaresma já ficava no banco sem problema e a outra opção era um "patinho feio", Éder).
3 Mais do que debater a necessidade de resgatar a nossa identidade (por princípio de técnica apoiada e não de pressionar como atitude), o grande desafio tático será de mudar o "chip" de jogo que os jogadores têm (na Seleção, até agora, e nos clubes por base).
Por exemplo, colocar Bruno Fernandes (cada vez a jogar mais adiantado no Manchester) a pensar novamente como um n.º 8 (mesmo que jogue, na origem da estrutura, no espaço do "10") e meter um daqueles elementos ofensivos referidos (Jota ou Bernardo, que também podem ser o segundo avançado junto de Ronaldo) no espaço do meio-campo (e sobretudo, com o pensamento tático, dum médio).
Em suma: alguém terá de ser... menos do que é. Uma forma arriscada de começar a pensar uma equipa.
A mensagem vai mudar
Não é novo este primado da reação no reinado de Santos na Seleção. Já sucedeu no passado (do seu início, ao 4x4x2 que nos levou ao título europeu e o resgate, no pós-2018, do 4x3x3). Não estou, repare-se, a criticar, nas circunstâncias, a opção que confessou ir ter agora nesta fase de choque entre sistema e jogadores. Estou a lamentar a ausência dum plano conceptual que precedesse (e tivesse evitado) esse conflito.
Ou seja, agir em vez de reagir. No final, claro, pode-se ganhar ou perder das duas formas. O meu receio é que os jogadores vejam/sintam isto como um aumentar das dúvidas e que isso se reflita depois no jogo (até porque numa seleção há pouco tempo para treinar, o que se sente mais quando se quer fazer uma alteração tão significativa na estrutura e dinâmicas de jogo da equipa).
Por isso, Fernando Santos terá de ser preciso, quase cirúrgico em curtas frases, para não existir uma diferença de convicção no transmitir da mensagem (que vai mudar) aos mesmos jogadores que antes viviam no limbo entre serem eles ou o sistema o mais importante. A fórmula certa será sempre um cruzamento entre os dois. Nenhum, sistema ou jogadores, está em primeiro. Os dois têm de nascer, em conjunto, ao mesmo tempo. É a tal importância do conceito (ideia) acima da força das circunstâncias.