A Liga dos fracos salários e das altas comissões
Enquanto lá fora as diferenças médias entre os que pagam menos e os que pagam mais será de um para três, em Portugal esse fosso alarga-se escandalosamente
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Na última crónica desfiz o mito de que em Portugal se paga pouco aos jogadores. De facto, paga-se muito nos três mais poderosos, mais do que eles deveriam pagar, ao nível do estrato superior da Europa, onde apenas 20 a 25 colossos pagam bem mais que Benfica, Porto e Sporting.
Mas enquanto lá fora as diferenças médias entre os que pagam menos e os que pagam mais será de um para três, em Portugal esse fosso alarga-se escandalosamente e é de um para dez ou doze. É um oceano de diferenças inaceitável. Porto, Benfica e Sporting pagam ordenados brutos médios de 1,2 a 1,3 milhões de euros por jogador e por época; Braga, um pouco acima dos restantes, mais Guimarães, Marítimo, Rio Ave, Chaves e Nacional, com valores que rondam os 170 a 190 mil euros; os restantes pagam abaixo dos 85 mil euros. É este o ponto-chave da falta de competitividade interna e para a fraca expressão internacional dos nossos clubes e devia ser o objectivo central da reunião promovida por Fernando Gomes na FPF e que juntou a Liga e os 18 clubes: diminuir o oceano que divide as receitas (dos direitos TV, de patrocínios desportivos, do Totobola, da Placard e dos jogos online, das Taças da Liga e de Portugal) dos nossos clubes, em cinco anos, para o patamar um para cinco. Agora, se for para dar mais uns milhões para os maiorais e tostões para os restantes, o melhor é arranjar protagonistas comprometidos com um futebol mais competitivo e saudável nos princípios.
"Quando se contrata um brasileiro, por exemplo, é 'normal' que venham de arrasto o seu empresário principal e outro/s secundário/s, mas que têm alguns direitos sobre o atleta, o pai, o irmão, o canário"
Com os salários praticados, a nossa liga está em 15.º lugar no ranking de gastos com jogadores. Mas, estranhamente ou talvez não, segundo a FIFA, Portugal (com 38 milhões de euros em 2018) foi o quarto país que mais dinheiro gastou em intermediários na transferência de futebolistas, num campeonato liderado pela Inglaterra, que desembolsou 136,8 milhões, seguida da Itália com 116,5, da Alemanha com 49,2 e Portugal (24,7 na contratação de jogadores e 13,5 em vendas). A seguir, surge Espanha, com 33,6 milhões, e França (29 milhões). Por que razão em Portugal se gasta tanto com intermediários, por comparação com os restantes países?
Em primeiro lugar, porque a maior parte das contratações vem do Brasil, o nosso grande fornecedor, e de outros países sul-americanos, seguidos da Europa de Leste e África. Quando se contrata um brasileiro, por exemplo, é "normal" que venham de arrasto o seu empresário principal e outro/s secundário/s, mas que têm alguns direitos sobre o atleta, o pai, o irmão, o canário; depois, o clube vendedor também aparece associado a outras pessoas e entidades a quem venderam parte do "passe" do atleta; depois, vem o intermediário que medeia a venda e eventualmente outro que acompanha a compra. E, porque os clubes raramente conseguem adquirir o passe por inteiro, surgem os representantes dos financiadores que ficam com uma percentagem acordada em futuras transferências (lembram-se da Doyen e da transferência de Rojo do Sporting para o Manchester United?).
E há ainda uma razão suplementar: devido à elevada taxa de retenção de IRS e dos encargos de segurança social, os clubes preferem pagar um pouco mais aos intermediários e a empresas localizadas em paraísos fiscais e baixar o salário oficial do jogador. Tudo na boa, tudo legal? Sim, mas isto leva-nos a questionar o princípio e (lá está mais um objectivo central para a FPF, Liga e clubes) apontar para alterações no regime fiscal e segurador que permitam espaço para aumentar as receitas do Estado e, em simultâneo, diminuir os encargos dos clubes. Só perderão os intermediários. Estamos de acordo com este princípio?